As 5 atividades básicas do Líder

 

HSM Management 52 Setembro-Outubro 2005

 

Em entrevista exclusiva, Ronald Heifetz, especialista em liderança da John F. Kennedy School, diz que tarefas essenciais de todo líder são diagnosticar os problemas, fazer perguntas certas, dar sentido ao trabalho, conter o conflito e entusiasmar as pessoas

 

No celeiro de líderes que é Harvard, mais precisamente na escola de governo John F. Kennedy, da renomada universidade norte-americana, Ronald Heifetz tem a seu cargo um dos cursos mais essenciais: "Exercising Leadership" (literalmente, "Exercendo a Liderança"). Concebido para oferecer os conhecimentos e as ferramentas necessários a quem deseja tornar-se um dirigente eficaz no âmbito público ou privado, no civil ou militar, no empresarial ou no terceiro setor, o curso é um dos mais concorridos de sua área, e Heifetz, seu professor titular há mais de 20 anos, um dos docentes mais procurados e consultados.

 

De certa forma, Heifetz complementa tudo que foi escrito neste Dossiê até agora. Em entrevista exclusiva a HSM Management, o especialista pede menos atenção às características pessoais dos líderes e mais foco nas cinco atividades que todos eles devem exercer.

 

Que características pessoais distinguem os grandes líderes da massa de executivos no mundo dos negócios?

 

Considero a liderança uma atividade, não um conjunto de características pessoais. Faço isso porque não me parece necessário nem justo colocar um limite à carreira de ninguém.

 

Além do mais, se olharmos para os executivos que exerceram forte liderança durante suas carreiras, por exemplo, perceberemos que o fizeram só em determinadas etapas. Basta lembrar que muitos tiveram grande sucesso na criação de uma empresa, mas não conseguiram passar o comando à geração seguinte.

 

Portanto, é mais proveitoso nos perguntarmos quais são as atividades próprias da liderança que podem aumentar a eficiência de um líder. Falo na liderança ideal, que, a meu ver, é a liderança adaptativa.

 

Então, quais são essas atividades?

 

São cinco atividades principais.

 

Em primeiro lugar, aparece o diagnóstico. É preciso distinguir entre problemas técnicos e problemas de adaptação, porque ambos demandam tratamentos diferentes. Os técnicos e rotineiros são resolvidos pela intervenção de um perito: se um automóvel quebra, chamamos o mecânico, que é um especialista no conserto de veículos; se um filho fica doente, nós o levamos a um médico. Entretanto, para muitos problemas, não se desenvolveu ainda a resposta adequada; não há procedimentos nem experiências que os resolvam diretamente. Estes são os problemas de adaptação, que nos levam a inovar e aprender e exigem liderança.

 

Em tais situações, o diagnóstico inclui três questões que os líderes terão de identificar e definir: quais competências, normas e valores culturais da organização vale a pena preservar, quais terão de ser descartados e que inovações são necessárias para que a empresa possa utilizar o melhor de sua história e avançar rumo ao futuro.

 

O segundo passo é expor os desafios, o que se deve resolver. Não me refiro a encontrar as respostas, mas sim a procurar formular as perguntas apropriadas.

 

Em terceiro lugar, o líder terá de mobilizar as pessoas para que assumam suas responsabilidades, disponham-se a enfrentar as mudanças que forem necessárias e orientem sua atenção para os temas difíceis em vez de evitá-los.

 

A quarta tarefa crítica é regular o nível de conflito e de desordem e controlá-lo para que se torne produtivo e gere inovações.

 

Por último, o líder terá de lembrar permanentemente às pessoas qual é a visão de longo prazo e lhes explicar por que seu trabalho é importante. Chamo isso de "imprimir sentido ao trabalho".'

 

Quais são as capacidades que alguém deve desenvolver se quiser cumprir essas cinco tarefas?

 

Um líder que queira cumprir essas tarefas fatalmente terá de pedir a seus funcionários que identifiquem o essencial e o supérfluo em sua rotina de trabalho, sua cultura ou seu estilo de vida, por exemplo. E, assim, ele encontrará resistências. Por isso, liderar exige grandes doses de flexibilidade e de capacidade de improvisação, além de capacidade de análise para reformular permanentemente o curso e não se agarrar a um plano.

 

Também é muito importante a capacidade de "ouvir o que não se diz" ou ler nas entrelinhas, para entender quais são os valores e os fatores que poderiam gerar resistência à mudança. Além disso, precisa-se de "estômago" para enfrentar os conflitos e tolerar a ambigüidade.

 

O que é mais difícil de aprender nesse processo?

 

O mais difícil é entender que o papel do líder não é somente fornecer respostas, mas também formular perguntas-chave. Para muitos executivos, trata-se de uma mudança muito grande, porque sempre se orgulharam de ser o "paizão" que tinha todas as respostas. Eles devem aprender a sentir-se à vontade em situações nas quais não sabem o que é o melhor.

 

Entretanto, as pessoas, em sua maioria, ainda esperam que os líderes Ihes dêem respostas. A mentalidade dos seguidores também terá de mudar, não?

 

Exatamente. O grande desafio, no desenvolvimento da liderança, é educar as pessoas, ensinando-as a estabelecer a diferença entre problemas técnicos e adaptativos e fazendo com que se sintam responsáveis por conduzir.

 

A cúpula de uma empresa dá a conhecer diretrizes vinculadas a valores e o sentido de missão. Mas, na operação, para adaptar a estratégia às mudanças que, de maneira constante, registram-se no mercado, convém adotar uma abordagem experimentalista: realizar testes, discutir seus resultados e extrair lições. Isso requer uma cultura corporativa na qual o pessoal possa ensaiar e aprender com liberdade e onde os fracassos sejam aceitos como fases do aprendizado e ninguém seja punido por isso.

 

É necessário que os líderes sejam capazes de executar as cinco tarefas ou eles podem especializar-se em algumas delas?

 

Os líderes devem ser capazes de envolver-se nos cinco tipos de atividades, embora seja natural que se sintam mais fortes em determinadas áreas e mais fracos em outras. Alguns, por exemplo, têm grande capacidade analítica, podem efetuar um bom diagnóstico e determinar se um problema é técnico ou adaptativo, mas é trabalhoso para eles planejar estratégias políticas que permitam controlar os conflitos.

 

Na verdade, nunca conheci alguém que se sobressaísse em todas as tarefas. A saída, muitas vezes, é nos associarmos a colegas que têm capacidades complementares às nossas. A liderança exige que procuremos pessoas que compensem nossas deficiências.

 

Uma atividade particularmente desafiadora entre as cinco mencionadas é mobilizar as pessoas e realmente captar sua atenção nos dias atuais. Que táticas o sr. sugere para isso?

 

As táticas variam segundo o tipo de organização e a autoridade que se reconheça no líder. Se alguém vai tentar dirigir sem ter a autoridade necessária, o primeiro passo deve ser procurar aliados em outros setores. Na política, os aliados são fundamentais.

 

Há ainda as diversas situações que os executivos podem aproveitar para mobilizar seu pessoal. Uma crise orçamentária, por exemplo, oferece uma oportunidade excelente para discutir questões estratégicas que se evitaram no passado. É o momento de formular algumas perguntas cruciais, como "Quais atividades têm de ser interrompidas?".

 

O sr. mencionou a gestão do conflito. A palavra "conflito" costuma ter conotação negativa: fala-se em evitá-lo, reduzi-lo. Em seus livros, o sr. sugere, em vez disso, incentivá-lo. Por quê?

 

O conflito é o motor da inovação. Se for administrado de maneira produtiva, impulsionará a mudança. A General Motors não teria aprendido a fabricar automóveis melhores sem a concorrência dos japoneses. As indústrias do Chile se viram obrigadas a empreender uma mudança adaptativa quando, na década de 1970, seu ambiente protecionista desapareceu. Muitas morreram e outras emergiram.

 

O trabalho adaptativo quase sempre gera conflito, porque implica decidir que DNA fica e qual é descartado.

 

Como se consegue fazer com que um conflito seja produtivo?

 

O processo de incentivar e "orquestrar" conflitos é como o de preparar um cozido: você terá de ter a panela de pressão adequada, adicionar os ingredientes e submetê-los à pressão. Por isso, o primeiro passo é criar um espaço "contêiner", no qual se possam formular perguntas incisivas sem que a relação se quebre. Se o líder tiver autoridade, poderá criar esse ambiente e estabelecer estruturas e processos que incluam cronogramas de reuniões, prazos e atribuição de tarefas.

 

Então, é necessário escolher cuidadosamente os indivíduos -ingredientes- que representarão as partes interessadas.

 

O terceiro passo é manter supervisão constante. Para garantir que o conflito seja produtivo, o líder deve orientar a atenção de todos para as perguntas-chave -porque, freqüentemente, no calor da discussão, as pessoas se distraem com temas secundários - e deve cuidar para segmentar essas perguntas-chave em seqüências "digeríveis".

 

O que um líder deve fazer quando, em um conflito, chega-se a um aparente ponto sem volta?

 

Ele precisa diminuir a pressão da panela, sob pena de ela vir a explodir. Isso pode ser feito de várias maneiras.

 

Um caminho é aumentar a estrutura estabelecida do contêiner, já que a fixação de reuniões, cronogramas e funções pode diminuir a tensão.

 

Outra tática é estender os prazos e outorgar mais tempo para trabalhar sobre o problema, porque a pressão do prazo gera uma sensação de urgência que pode afetar negativamente.

 

Uma terceira forma de lidar com isso é transmitir a mensagem de que o conflito está sob controle e ninguém deve desesperar-se.

 

A quarta possibilidade é subdividir o problema, de modo que as pessoas possam abordar partes mais manejáveis e menos pesadas.

 

Outra opção é pedir a determinadas pessoas, que representam certos pontos de vista, que se mantenham à margem por algum tempo. Às vezes os conflitos se intensificam apenas porque há muitas opiniões e é difícil integrar todas de uma vez. Nesses casos, a tática consiste em incorporá-Ias paulatinamente.

 

"É muito importante a capacidade de ouvir o que não se diz ou ler nas entrelinhas,para entender os fatores que poderiam gerar resistência às mudanças"

 

A entrevista é de Viviana Alonso, colaboradora da HSM Management. 

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