Persuadir Com O Coração

 

HSM Management 52 Setembro-Outubro 2005

 

Muitos executivos manipulam os outros no mundo dos negócios; poucos usam a persuasão. A manipulação se sente no estômago e é ineficaz no longo prazo; a persuasão fala ao coração e pavimenta o caminho da liderança. Reportagem HSM Management reuniu Robert Cialdini e Juliet Erickson, especialistas na arte de persuadir, para que revelassem os seis princípios universais da persuasão, que podem ser aprendidos por qualquer pessoa.

 

"Se você não mudar seu modo de agir, terei de fazer algo de que certamente não gostará”.

 

"Depois de analisar o assunto racionalmente, você compreenderá meu ponto de vista e mudará de opinião”.

 

“Você sabe, temos trabalhado juntos durante tanto tempo...”.

 

Cada uma dessas três frases, moldadas respectivamente pela coerção, razão e persuasão, pode iniciar um diálogo com que seu interlocutor quer obter algo de você. Sua reação seria a mesma em todos os casos? Certamente não. E, muito provavelmente, a terceira opção conseguiria deixá-Io mais predisposto para o que fosse acontecer em seguida.

 

Pelo menos foi isso que demonstrou uma pesquisa que Robert Cialdini, professor de psicologia na State University of Arizona, Estados Unidos, e especialista na "arte de persuadir", gosta de citar para provar como o poder de persuasão baseada em relacionamentos supera, e muito, o da razão ou o da coerção.

 

"O fato de a terceira frase acentuar a existência de um relacionamento não predetermina de forma alguma a validez lógica ou empírica da mensagem. Oferece apenas outra razão para decidir: o vínculo em si mesmo, com toda a confiança, força e segurança que transmite", explica Cialdini. "Não acrescenta informação, simplesmente coloca em primeiro plano a consciência mútua da 'conexão' entre as partes”.

 

"Persuadir significa conseguir ser suficientemente relevante para o outro a ponto de influenciar sua forma de pensar ou de agir", acrescenta Juliet Erickson, coach e especialista em comunicação. "É uma das habilidades essenciais para qualquer executivo”.No entanto, costuma ser subestimada nas escolas de administração de empresas, nos cursos de extensão e na literatura de management em geral, esferas em que atinge a importância apenas de um acessório desejável, mas secundário.

 

 

Por que isso acontece? Geralmente porque a tendência é subestimar as razões emocionais - ou químicas - que mobilizam as pessoas e supor que a capacidade de convencer é uma virtude inata, um dom. "De forma alguma. Pode-se 'aprender' a persuadir, desde que haja vontade e humildade para fazê-Io", enfatiza Erickson. Para ela, muitos executivos se enganam ao ignorar o papel "dos outros" em qualquer processo de negócios e acreditam que, quanto mais inteligentes ou criativos parecerem, mais convincentes serão. Na verdade, preocupam-se apenas com "sua" idéia e "sua" forma de ver as coisas. A especialista tem, contudo, uma boa notícia para essas pessoas: "Mesmo para os arrogantes, aprender a persuadir é possível”.

 

Seis princípios universais à disposição de todos

 

Raramente notamos isso, mas sempre que admitimos uma cláusula em um contrato, respondemos ao pedido de um amigo, retribuímos um favor, seguimos um exemplo alheio ou aceitamos o conselho de um especialista, estamos agindo "sob influência de alguém". Cialdini complementa essa observação: "Cinco décadas de pesquisas sobre esse assunto já demonstraram que isso ocorre em resposta a um conjunto específico de necessidades ou impulsionadores da conduta humana. São princípios universais, que regem as transações de qualquer natureza".

 

Portanto, a capacidade de influenciar os outros é algo totalmente humano. Quando usada eticamente, mostra-se um instrumento poderoso no portfólio de capacidades de qualquer líder. Se usada com descuido, em contrapartida, pode destruir a credibilidade de uma pessoa ou até de uma organização inteira.

 

"Como 'agente de influência', você pode adotar comportamentos 'enganadores', 'fraudadores' ou 'de detetive'. Somente o de detetive é ético: conhece esses princípios universais, busca aquele que se aplica melhor à situação, o faz de forma explícita diante da outra parte e lhe oferece toda a informação necessária para que esta decida. O enganador não reconhece tais princípios e simplesmente 'manipula' as opções até conseguir que o outro faça o que ele deseja. O fraudador, por sua vez, 'usa mal' os princípios em seu exclusivo benefício e acaba lucrando com isso”.

 

E quais são esses princípios universais tão potentes? De acordo com Cialdini, são seis: reciprocidade, coerência, validação social, autoridade, afinidade e escassez.

 

·      Reciprocidade. Todas as sociedades aderem a uma norma não-escrita que obriga os indivíduos a retribuir de alguma maneira aquilo que recebem, a "pagar na mesma moeda". A reciprocidade é um princípio que explica tanto as doações para entidades beneficentes como as degustações em pontos-de-venda, ou a cortesia de tratamentos de beleza de "demonstração". Dessa forma, além de expor os clientes ao produto ou serviço, as empresas fazem a pessoa se sentir em dívida com elas.Embora menos tangíveis, as concessões também geram essa sensação. "Se você rejeita minha primeira proposta e eu fizer uma segunda renunciando a algum benefício, certamente vou conseguir que você responda com uma contra-oferta um pouco menos ambiciosa que sua primeira negativa", exemplifica Cialdini.

 

·      Coerência. A expectativa de coerência tam­bém ajuda. Cialdini conta que o famoso chef de cozinha Gordon Sinclair conseguiu reduzir o número de reservas canceladas sem aviso de 30% para 10%, por conta de uma mudança mínima no discurso da recepcionista a quem os clientes solicitavam a reserva de mesa. Transformou a recomendação "Por favor, avise se mudar de planos" em uma pergunta: "O sr. nos avisará se mudar de planos, certo?", Depois de um breve tempo de espera vinha a resposta, obviamente afirmativa. Aqueles segundos de silêncio eram, na verdade, simbólicos. Significavam que o cliente estava prestes a assumir publicamente o compromisso de avisar, ou seja, ele se sentia obrigado, pela coerência, a fazê-Io."Mesmo parecendo insignificantes, essas promessas públicas marcam as ações futuras", diz Cialdini.

 

·      Validação social. O mesmo acontece com o consenso ou a validação social. "Se muitos indivíduos, em circunstâncias similares, reagiram dessa ou daquela forma, é muito provável que decidamos imitá-Ios, porque percebemos sua eleição como válida”.O autor lembra o experimento realizado no final da década de 1960 nas ruas de Nova York pelos psicólogos sociais Stanley Milgram, Leonard Bickham e Lawrence Berkowitz. Um indivíduo ficava parado na calçada e olhava durante 60 segundos em direção ao alto com o objetivo de ver como reagiam os passantes. O que estes fizeram? A grande maioria passou por ele e continuou seu caminho sem prestar atenção. Com uma pequena mudança, os resultados foram outros. Em vez de uma única pessoa olhar para cima, um grupo de cinco homens começou a fazê-Io. O número de pedestres que levantaram a cabeça quadruplicou. E, quando os pesquisadores reuniram 15 pessoas para influenciar os outros, nada menos que 40% dos pedestres paravam "para olhar".

 

"Os marketeiros aproveitam essa tendência quando 'nos deixam saber' que seu produto é o de maior venda ou o que conquistou adeptos mais rapidamente, ou quando nos mostram centenas de 'consumidores' correndo para comprar os produtos nos comerciais de televisão", observa Cialdini.

 

·      Autoridade. Assim como a validação social fez as pessoas deterem-se e olharem para o céu no experimento dos anos 60, a autoridade, real ou aparente, pode colocá-Ias em movimento. "Em 1955, os pesquisadores Monroe Lefkowitz, Robert Blake e Jane Mouton, da University of Texas, em Austin, descobriram que um só homem podia aumentar em 350% o número de pedestres que o seguiam enquanto atravessava a rua com o farol vermelho simplesmente mudando a calça jeans com camiseta e tênis por terno e gravata”.

 

Quem quer destacar sua experiência, know-how ou autoridade acadêmica costuma recorrer ao poder da autoridade. "A saúde de seus filhos é nossa única preocupação" ou "Quatro de cada cinco especialistas recomendam" são exemplos de frases persuasivas, que ajudam a decidir rapidamente e melhor, sempre que forem verdadeiras. Se não pararmos para refletir alguns instantes, como acontece com freqüência diante dos símbolos de autoridade, corremos o risco de seguir quem apenas aparenta legitimidade - como o homem de terno que atravessou a rua quando não deveria.

 

Uma campanha publicitária dos anos 70 escolheu o ator Robert Young para explicar os benefícios do café descafeinado para a saúde. Ele interpretava, numa série de televisão, o doutor Marcus Welby, o "médico" mais famoso dos Estados Unidos na época. "O fato de Young não ser realmente médico foi menos importante do que sua aparência de autoridade técnica ao opinar" analisa Cialdini.

 

·      Afinidade. Afinidade, afeto e simpatia são manifestações de uma sensação de conexão entre as pessoas. É simples: quando gostamos de algo ou de alguém, temos a tendência a lhe dizer sim. "A técnica de vendas da Tupperware se baseia nessa reação humana, por exemplo", aponta Cialdini. A atração física é uma ferramenta do mesmo tipo, assim como os fatores em comum -"Estamos fazendo a mesma faculdade"-, os elogios e a vontade de cooperar. Todas essas atitudes promovem nos outros reações positivas, "empáticas".

 

·      Escassez. A sensação de escassez, por sua vez, desperta o desejo daquilo cuja disponibilidade é aparentemente limitada. Tanto que a maioria das ofertas do varejo costuma usar expressões como "somente hoje" ou "até o fim do estoque". Se a informação é "exclusiva", automaticamente ela é mais persuasiva.

 

Estamos condenados a ser manipulados em função desses princípios? "De forma alguma", responde Cialdini. "Quando realmente os conhecemos, começamos a reconhecer sua aplicação nas diferentes estratégias. E aí aprendemos a analisar as ofertas mais 'assepticamente'“.

 

A diferença entre persuadir e manipular e o papel da emoção

 

Para Erickson, "a razão não é o melhor guia na hora de saber se estão nos convencendo ou nos manipulando. Quando somos manipulados, nós o sentimos no estômago; quando nos convencem, é no coração".

 

Nem sempre conseguimos perceber a diferença, segundo ela. Isso ocorre porque não costumamos nos "conectar" com sentimentos e emoções em nossa atividade profissional, mesmo quando, na realidade, é impossível erradicá-Ios do âmbito dos negócios. "Somos seres humanos, não somos divididos", lembra Erickson.

 

Cerca de 40% de uma decisão se baseia em fatos, provas, oportunidades; os outros 60% dependem do grau de compreensão, confiança e empatia com a pessoa ou a idéia, ou ainda com a empresa que estas representam.

 

Por exemplo, quatro escritórios de contabilidade, todos brilhantes, com uma carteira de clientes fantástica e larga experiência no mercado, apresentam-se diante de alguém que desconhece os meandros da contabilidade. Dos quatro, apenas um fala com ele numa linguagem simples e lhe garante que, como sabe que divide seu tempo entre Paris e São Paulo e está preocupado com seus filhos às vésperas de prestar vestibular, pode encarregar-se também de sua contabilidade pessoal.

 

Os outros lhe propõem, como "bônus", instalar um sistema simples que lhe permita levar sua contabilidade pessoalmente. "Todos falaram de si mesmos, da qualidade de seus serviços, da tecnologia de que dispunham, mas apenas um entendeu que o executivo não gostava de números, pois o fazia se sentir inseguro. Foi esse que ganhou a conta", diz Erickson.

 

Para a especialista em comunicação, portanto, isso prova que a análise preliminar de um encontro de negócios é primordial. "Desse passo inicial depende tudo”.É comum subestimar esse aspecto do preparo e dedicar muito tempo à apresentação em si. Esse é, segundo ela, um dos erros mais comumente cometidos na hora de as pessoas convencerem os outros.

 

Quem não se prepara justifica-se afirmando que "trabalha melhor sob pressão". Mais uma vez, a arrogância faz perder uma excelente oportunidade de "fazer a tarefa como se deve, antecipar e diminuir os riscos de receber um não" adverte Erickson. Por isso, muitas pessoas acabam fazendo o que não querem ou falando o que não queriam. "Conhecer bem a outra parte - seja uma pessoa ou muitas - é fundamental", reforça Erickson, "porque ser persuasivo tem a ver com o contexto”.Não há personalidades mais persuasivas do que outras.

 

Uma pessoa muito dinâmica, rápida e inspiradora pode falhar diante de um interlocutor analítico, que precisa de fatos, tempo para pensar e um encadeamento lógico e gradual para tomar decisões.

 

Cada um com seu foco, tanto Cialdini como Erickson concordam quanto ao poder da antecipação e pregam a importância de identificar de antemão tudo que pode promover ou bloquear a decisão da outra pessoa - seu estilo, seus objetivos, as influências que a afetam, do que ela gosta e o que detesta.

 

"Em síntese", diz Erickson, "o objetivo é persuadir com uma mensagem relevante em todos os sentidos. Isso não significa manipular. Quem manipula convence alguém de algo que não quer fazer. Quem verdadeiramente convence está ajudando o outro a tomar decisões”.

 

A reportagem é de Graciela Biondo e Viviana Alonso, colaboradoras de HSM Management

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