Uma nova espécie de profissional
HSM Management 58 Setembro – Outubro 2006

Segundo o especialista Robert Rodríguez, da Capella University, está mudando o perfil dos gestores de recursos humanos: os novos talentos da área têm habilidades múltiplas e o desejo de enfrentar desafios no trabalho.

Os promissores profissionais de recursos humanos da atualidade, que neste momento encontram-se em fase de formação, estão aprendendo habilidades que tradicionalmente não faziam parte do universo de RH -de operações e finanças a estatística e estratégia. Quando esses profissionais recém-forjados começarem suas carreiras, quais serão suas expectativas? E o que os empregadores poderão esperar deles?

Esses profissionais do futuro esperam colocar em prática todas as habilidades nas quais estão investindo hoje. Mais do que isso: querem empregos desafiadores e não meras tarefas administrativas. Acreditam que as atribuições de quem se dedica aos recursos humanos vêm ganhando mais importância e crêem poder contribuir para comprovar a relevância do setor para o lucro das empresas -assunto familiar para esses profissionais, porque muitos deles têm experiência em outras áreas distintas da de RH.

Vejamos o caso de Don Miller, por exemplo. Miller tem formação em economia e finanças e começou sua carreira em uma das cinco principais empresas de contabilidade, atuando com consultoria financeira e questões de litígio -especificamente, trabalhava com recuperação de contratos de falência. Sua intenção era continuar na área jurídica, até que uma experiência em consultoria lhe chamou a atenção para o valor da função de RH para o sucesso de uma empresa.

"Essa experiência em consultoria me mostrou quanto é valioso contar com as pessoas certas no lugar certo e na hora certa. Pude constatar como o departamento de RH desempenha grandes responsabilidades nesse tipo de decisão", explica Miller.

Um estágio no setor de recursos humanos da Microsoft confirmou sua decisão em seguir esse caminho. Hoje, ele está cursando o segundo ano do programa de MBA da Michigan State University, com foco em RH. E, enquanto alguns de seus colegas do curso prenunciam tempos árduos para ele por causa da especialização escolhida, Miller tem motivos de sobra para comemorar e explica que a Microsoft já lhe ofereceu um emprego no setor de RH.

"Escolhi fazer carreira nessa área porque acredito na função como forte propulsora do sucesso da empresa" esclarece. Em sua opinião, a transição para uma economia baseada no conhecimento já vem transformando o RH em um setor profissional mais respeitado e valorizado, justamente por causa de seu papel na identificação dos profissionais com os conhecimentos adequados.

Ainda que as credenciais de Miller nos campos financeiro e de negócios sejam excepcionais, ele não constitui uma exceção à regra. "Acredito que esse seja o caso dos profissionais que assumem elevados cargos de RH e que se originaram de áreas com maior orientação financeira", conta Peter Cappelli, professor e diretor do Center for Human Resources da Wharton School, da University of Pennsylvania.

"A função hoje atrai pessoas que querem ser consideradas profissionais de negócios em primeiro lugar, mais do que especialistas em RH", acrescenta Lisa Harris, vice-presidente sênior de serviços ao cliente da Gevity, empresa fornecedora de recursos humanos sediada em Bradenton, no Estado da Flórida. "Quando alguém fala que pretende trabalhar com recursos humanos porque gostaria de ajudar os outros, eu sugiro que atue como assistente social."

O que esses profissionais estão aprendendo

Assim como Miller, os futuros gestores de recursos humanos estão formando-se em um ambiente acadêmico desafiador, com programas que enfatizam as habilidades financeiras e de negócios de um mundo nunca visto. Esse profissional recebe hoje mais orientação para as finanças, aprende a pensar de modo estratégico e desenvolver habilidades de planejamento.

Na verdade, são essas habilidades que os estudantes de RH querem desenvolver. Na opinião de Bill Conaty, vice-presidente sênior de RH da General Electric, sediado em Fairfield, no Estado de Connecticut, e integrante do conselho de orientação do Center for Advanced Human Resources Studies da Cornell University, os alunos mais preparados querem distância dos cursos que não oferecem formação sólida em finanças e em negócios.

Don Miller concorda. Quando estava na fase de decidir em qual instituição faria seus estudos, descartou todos os cursos que não ofereciam aulas sobre avaliações financeiras e segmentação de dados. A dificuldade de encontrar um curso com esse perfil foi um dos fatores que o levaram a preferir um MBA com especialização em recursos humanos em vez de um curso de graduação na área.

As preferências de alunos como Miller e dos empregadores têm resultado em mudanças em várias faculdades e universidades.

Tradicionalmente, as instituições acadêmicas são "movidas, sobretudo pelos interesses e posturas da instituição", conta Cappelli. "Elas se concentram primeiramente nos aspectos relacionados à pesquisa acadêmica e não à prática, os quais mudam pouco." Mas os professores percebem que os empregadores e os estudantes, mais do que as instituições de ensino, estão promovendo algumas mudanças nos programas de RH -e os responsáveis pelas universidades estão alterando os currículos de acordo com essa demanda.

Não é de surpreender, portanto, que hoje Cappelli identifique nos programas acadêmicos de RH maior presença de matérias associadas a temas como questões contábeis e de pesquisa. Esses tipos de habilidade são importantes para ajudar os profissionais de RH a demonstrar os benefícios dos programas de recursos humanos, algo que os empregadores querem cada vez mais, ressalta Cappelli.

Na Penn State University, o currículo de RH também vem dando ênfase a uma perspectiva financeira e de negócios. William Rothwell, professor de educação e desenvolvimento de força de trabalho, afirma que acrescentou um foco de aplicação conectado ao mundo real aos cursos de recursos humanos a fim de preparar melhor os estudantes para as demandas que enfrentarão. Em vez de se concentrar nas teorias sobre planejamento de sucessão, por exemplo, Rothwell reforça aspectos como o retorno sobre o investimento dos programas de planejamento da sucessão. "Esse tipo de mudança agrada aos estudantes em meio de carreira que já contam com experiência em empresas", conta o especialista. Como as organizações têm-se concentrado no impacto exercido pelo RH em seu sucesso geral, Harris acredita que os programas acadêmicos precisam incluir cursos que ajudem os estudantes a desenvolver métricas e avaliações de RH válidas. Algumas empresas estão firmando parcerias com instituições acadêmicas para ajudar a desenvolver esse tipo de sistema. A Gevity, por exemplo, atua com a Cornell University "no desenvolvimento de melhores métodos de aferição do impacto das práticas de RH no desempenho da empresa", explica Harris, que coordena um grupo de aproximadamente 200 consultores de recursos humanos.

Os especialistas acreditam que há outras modificações no currículo de recursos humanos no horizonte. O surgimento de um movimento de terceirização das práticas de RH, por exemplo, exige que as universidades preparem melhor os estudantes sobre a tomada de decisões quanto ao outsourcing e ao relacionamento com os fornecedores externos, afirmam os especialistas. Na previsão de Rothwell, os programas de RH do futuro incluirão mais cursos que envolvam questões ligadas a globalização, regulamentação e tecnologia, por exemplo.

Objeto do desejo: funções desafiadoras

Levando em conta que os promissores profissionais de RH contarão com um conjunto de habilidades comerciais e financeiras, os empregadores precisarão certificar-se de que esses talentos serão bem aproveitados no ambiente de trabalho. Os novos profissionais de RH procuram cargos que lhes permitam utilizar as habilidades desenvolvidas tanto nos programas acadêmicos como nas experiências profissionais anteriores. Um congresso sobre o futuro dos recursos humanos, promovido pela Society for Human Resource Management, confirmou que empregos desafiadores e planos de carreira bem definidos são elementos essenciais para atrair estudantes de alto nível para essa profissão.

"Se a função de recursos humanos quiser continuar atraindo alunos de alto nível, os empregos terão de se tornar mais interessantes", acredita Cappelli. Na opinião do especialista, as empresas devem manter seus projetos desafiadores de RH dentro da organização em vez de transferi-los para consultores externos.

Tim Richmond, diretor de gestão de talentos da 3M, empresa de atuação tecnológica diversificada com sede em St. Paul, Minnesota, acredita que o RH vem seduzindo mais talentos por causa da natureza mutável dos empregos na área.

"Alguns dos atuais líderes do setor foram formados em um ambiente no qual o RH era chamado de departamento de pessoal, e a função tinha um caráter bastante administrativo e tradicional. Hoje, as pessoas vêem os líderes de RH que estão atuando na estratégia corporativa e orientando a agenda de talentos dentro das organizações. Isso torna a área bem mais interessante e atraente como opção de carreira", conta Richmond.

"Os melhores e mais brilhantes procurarão papéis nos quais sejam vistos como verdadeiros parceiros de negócios", diz Conaty. As pessoas que realmente têm talento não querem permanecer em uma função administrativa, mas sim desempenhar um papel que permita influir nos resultados, nos valores e na cultura da empresa, afirma.

"Comecei na GE em uma ocupação operacional, mas me transferi para o setor de RH porque identifiquei lá a chance de usar minhas habilidades de liderança e meu talento para negócios", explica Conaty. "Hoje, cada vez mais profissionais de áreas operacionais mudam para o RH pelos mesmos motivos”,

Angela Ritchey, que hoje cursa pós-graduação em RH da Capella University, em Minneapolis, veio de uma experiência de empregos e desafios variados. Iniciou sua carreira atuando em diversas empresas de tecnologia, entre elas a 3Com e a Applied MateriaIs. Depois, auxiliou a Força Aérea norte-americana na implantação dos sistemas de comunicação por satélite e prestou apoio à Nasa durante um processo de transformação de todas as operações da instituição, até trabalhar como consultora na Booz Allen Hamilton, firma de consultoria em estratégia global e gestão sediada em McLean, no Estado da Virgínia.

O que levou Angela a voltar-se para o setor de recursos humanos foi o fato de identificar a área maior sofisticação. "O campo de RH me entusiasma porque vejo grande potencial para a função”.Ela escolheu o curso de pós-graduação oferecido pela Capella porque viu "uma boa combinação de cursos capazes de complementar as habilitações de RH" e acredita que "essas habilidades sejam essenciais para estabelecer uma parceria de negócios estratégica". O programa inclui os conteúdos tradicionais de recursos humanos, além de formação em finanças, análise de dados, planejamento estratégico, marketing e tomada de decisões.

 

Divulgação nas universidades

Quem não atua em recursos humanos definitivamente conhece pouco da área. A falta de informações sobre ela dificulta a avaliação das realizações dos profissionais do setor e pode funcionar como uma barreira na hora de atrair pessoas para essa especialidade.

Para piorar a situação, muitos profissionais têm uma impressão negativa do gestor de RH, em geral decorrente de contatos anteriores. "Quando comecei minha carreira, não identificava muito bem o que era RH e acreditava que se tratava se uma função bastante administrativa e sem nenhum apelo", revela Don Miller, que hoje freqüenta um curso de MBA com especialização em RH na Michigan State University.

Mas como fazer para informar os estudantes de hoje de que a área de RH vem mudando e se tornando desafiadora? Uma das maneiras de abrir a discussão é fazer com que os executivos de recursos humanos conversem com os alunos dos cursos de graduação.

Sasha Diskin, que recentemente concluiu um curso de MBA na DePaul University, de Chicago, afirma que conhecia pouco sobre o setor até ouvir um executivo de recursos humanos. "Como parte do meu curso de RH, os professores traziam diversos executivos que nos davam sua visão da profissão. Esse contato mudou totalmente meu modo de ver a função", conta. Vice-presidente do grupo de gestão de risco do LaSalle Bank de Chicago, hoje ela tem outra visão da função e afirma que não dispensaria uma oportunidade de fazer carreira em RH.

Tim Richmond, diretor de gestão de talentos

da 3M, declara que, ao mesmo tempo que poucas vezes vê profissionais de recursos humanos falando com estudantes de escolas de negócios, para atrair mais talentos, o setor como um todo precisa realizar um trabalho melhor quanto à divulgação de casos de sucesso. "Os estudantes de outras áreas não sabem da importância do RH dentro de uma empresa. Nós que somos de RH precisamos sair e partilhar mais nossas experiências" atesta.

Especialistas do mundo acadêmico e corporativo recomendam que os executivos de recursos humanos contatem programas de RH e de MBA e se ofereçam para dar depoimentos. Do mesmo modo, alguns executivos de RH atuam em parceria com faculdades de administração em diversas questões, e esses contatos podem resultar em oportunidades de conversa. Quanto mais os presidentes de empresa reconhecem publicamente a importância do RH, mais os estudantes querem saber sobre a área. Jack Welch, ex-presidente da General Electric, declarou que o responsável por recursos humanos é a segunda pessoa mais importante em uma organização. Esse tipo de reconhecimento tem o poder de atrair a atenção dos alunos.

Outro caminho para se fazer conhecer é a oferta de estágios no setor. Os estágios colocam profissionais de outras áreas em contato com o RH, revelando a importância do setor para a empresa. Milier atribui a uma experiência desse tipo a decisão de trocar uma carreira em consultoria financeira por recursos humanos.

 

 

 

No papel de "consultores"

Levando em conta que os profissionais de recursos humanos do amanhã terão mais experiências em outros campos além do RH propriamente dito, assim como uma formação voltada para os negócios e um desejo de enfrentar desafios, o que os empregadores podem esperar deles?
Na opinião de Richmond, da 3M, os empregadores verão um profissional capaz de atuar como consultor de negócios e também com habilidades para lidar com questões relativas a pessoas. "Os profissionais de RH atuarão como consultores internos, mais confiáveis", acrescenta. Consultores são considerados mais voltados para os negócios, mais atualizados em relação às melhores práticas do mercado, mais objetivos.

Rothwell acredita que os empregadores podem esperar mais do que um mero parceiro de negócios. "Os líderes de recursos humanos do futuro serão capazes de direcionar a agenda de pessoal de toda a empresa, e nenhuma outra área desejará tomar decisões envolvendo pessoas sem a participação do RH”.

Para Conaty, da General Electric, a expectativa é encontrar mais profissionais de recursos humanos que possam desempenhar papéis operacionais e multifuncionais (veja o quadro acima). "Graças a sua formação, no futuro que vejo, o profissional de recursos humanos, em vez de se esforçar para encontrar um lugar à mesa, terá dificuldades para deixá-la, tamanha a procura por seu conhecimento e insight, prenuncia ele.

 

A GE e os desafios dos novos líderes de RH

Uma das primeiras medidas de BiII Conaty ao assumir o cargo de vice-presidente sênior de RH da General Electric foi alterar a estrutura do programa de liderança em recursos humanos (Human Resource Leadership Program, ou HRLP) da companhia. Até então, o programa, com dois anos de duração, alocava os participantes em três projetos de RH, com oito meses cada um. Conaty exigiu que uma das etapas fosse uma experiência multifuncional em uma área externa aos recursos humanos, como finanças, algum setor operacional, marketing ou auditoria de empresas. Além disso, também pediu a inclusão de mais projetos de caráter internacional.

Com tantos novos profissionais de RH procurando concentrar-se no lado "negócios" do setor, esse tipo de mudança ajudou o HRLP a se tornar mais atraente para uma variedade mais ampla de profissionais de um conjunto de talentos mais abrangente. Cerca de 95% dos participantes têm ou MBA ou graduação em RH, e aproximadamente 50% dos atuais 125 participantes do HRLP estão atuando em projetos internacionais.

"O que torna o HRLP tão atraente é que os projetos funcionais permitem que os participantes do programa possam competir e se destacar em papéis multifuncionais, uma experiência que propicia uma vantagem competitiva", revela Conaty.

 

Os participantes apresentam um desempenho tão bom em suas tarefas que acabam sendo bastante disputados pelas unidades de negócios da GE para assumir cargos em recursos humanos, explica Conaty. Em sua opinião, a confirmação máxima do sucesso do HRLP está no fato de que cerca de 15% dos participantes recebem proposta de emprego em funções não relacionadas ao RH.

"Além de permitir a atração efetiva de profissionais talentosos para os cargos de recursos humanos, outra vantagem é que o alto nível dos participantes reforça a credibilidade da função de RH dentro da GE", comemora Conaty.

"Em meu primeiro ano na General Electric, pude fazer mais do que foi possível realizar em outras empresas em cinco anos", testemunha Paul Davies, que participou do HRLP durante um ano. Formado em administração de empresas pela University of Queensland, na Austrália, ele viajou para Paris, Londres, Japão e índia como parte de um projeto multifuncional no setor de auditoria.

"Como você pode imaginar, um balanço contábil parece coisa de outro mundo para quem tem formação em recursos humanos. Mas é exatamente esse tipo de oportunidade que a GE proporciona. Há uma sólida crença na importância da exposição multifuncional e 'multinegócios', o que abre as portas para um número de possibilidades ilimitado", acredita Davies.

Robert Rodríguez é professor titular dos programas de liderança e recursos humanos da escola de administração da Capella University, de Minneapolis, EUA.

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