AIKIDÔ - Massamichi Tanaka

 

Texto Parcial pré-selecionado

Traduzido por Eric Aluno de Wagner Bull fundador do Instituto Takemussu

 

Esta entrevista foi feita no quartel general da Omoto em kameoka – Japão, em outubro de 1998. Massamichi tanaka trabalha no departamento internacional da Omoto, Órgão para Cooperação Interreligiosa.

 

Muitos estudantes de aikido sabem que seu Fundador foi influenciado pela Omotokyo e, em particular, por seu líder Onisaburo Deguchi. O O-Sensei, que viveu com a família de Deguchi na sede da Omotokyo em Ayabe, teve uma experiência de iluminação nos jardins da sede em Ayabe e dirigiu-se para a Mongólia com Onisaburo. O sr. pode nos dizer mais sobre esse relacionamento?

 

O Mestre Ueshiba aprendeu muito com Deguchi, que já possuía a idéia do Aikido, mesmo não o praticando. Mestre Ueshiba foi um aluno muito próximo de Deguchi – tão próximo que Deguchi deu o nome de “kisshomaru”ao terceiro filho de Ueshiba. O Mestre ensinou num dojo construído para ele na propriedade da Omoto, e até hoje o Aikido continua sendo ensinado no mesmo local.

 

Antes da queima da propriedade da Omoto, Onisaburo Deguchi recomendou ao mestre Ueshiba que deixasse a propriedade da Omoto. Deguchi sabia o que estava para acontecer e disse a Morihei que seria melhor que ele fosse iniciar sua própria escola e construir uma rede de praticantes.

 

Em Ayabe há um memorial ao O-Sensei no cemitério da Omoto. O filho do O-Sensei, o falecido Kishomaru, visitava-o a cada ano para demonstrar seu respeito ao memorial de seu pai.

 

O que levou Onisaburu (e o O-Sensei) a Mongólia?

 

A idéia de Deguchi era a de fazer um mundo pacífico próprio em pequena escala na Mongólia. Ele curava muitos doentes e criou laços de amizade com muitos mongóis. Pensou ter obtido sucesso, então. Quando retornou da Mongólia, disse: “tivemos grande sucesso”. Os seguidores da Omoto não tinham tanta certeza, mas Onisaburo dizia: “não, eu tive muito sucesso!”.

 

Parece que o Aikido tomou como seus alguns rituais da Omoto.....como as quatro palmas que alguns aikidoistas batem no início e no final de cada treino. O que representam essas palmas?

 

Ao ler uma prece antiga, a antiga oração Norito, Onisaburo interpretou a palavra “Yahirade” como querendo dizer “oito mãos abertas”, o que indicava quatro palmas. Então, seguimos o modo mais antigo. Em muitos santuários eles batem as palmas duas vezes, mas nós seguimos a tradição mais antiga.

 

Nas aulas de Aikido os praticantes fazem algumas seqüências de exercícios corporais para fins espirituais, como furutama (balançar as jóias). Esses ritos vêm da Omoto?

Onisaburo Deguchi escreveu 83 volumes de contos espirituais. Em seus trabalhos ele descreveu vários métodos de purificação e meditação, incluindo furutama. Essas são só técnicas de meditação. Onisaburo os descreveu, mas acho que eles são originários dos ensinamentos Shinto muito antigos. Não foram inventados por ele.

 

Antes do O-Sensei fazer apresentações ou ensinar Aikido ele frequentemente demonstrava “misogi no jô”. Com um bastão ele faria movimentos para limpar e purificar o local. Ao nos tornarmos estudantes de Aikido, somos ensinados sobre a importância do misogi, ou purificação.

 

A purificação é muito importante. A idéia Shinto de purificação é diferente da cristã. Nós não dizemos que o ser humano tem o pecado original. Cada ser humano é um filho de Deus e por isso cada um tem um espírito puro. Existem muitas impurezas ao nosso redor que distorcem nosso espírito e nos dirige à desejos baixos. Por isso, sempre necessitamos desses métodos de purificação.

 

O local onde se coleta a energia espiritual é o hara (baixo abdome). A importância de se trazer a mente e o corpo em união é suprema na Omoto.

 

Na mente de muitos aikidoistas, Omotokyo é associada ao kotodama, o uso de sons para propósitos espirituais.

 

Kotodama é um ensinamento esotérico Shinto. Quando você diz alguma coisa, você cria um campo energético que possui um poder de atração. Se você fala de coisas boas e bonitas, as ondas atrairão a beleza de todos os lugares. No contrario, se você fala de coisas más, ruins, as coisas ruins serão atraídas.

 

Nos ensinamentos do Judaísmo há uma idéia similar. Pensamento e fala tem o poder de atrair boas vibrações ou má vibrações. Deus criou o universo com a Palavra. Isso está na Bíblia.

 

A palavra Norito é a palavra da purificação. Praticantes da Omoto acreditam que, quando você recita a prece, o poder do Universo para limpar e purificar as impurezas é invocado. A chuva, a neve e o vento – esses são poderes naturais de purificação em ação.

 

Cada ser humano é um filho de Deus e, por isso, cada um tem um espírito puro. Existem muitas impurezas ao nosso redor, que distorcem nosso espírito e nos dirige a desejos baixos.

 

Como você caracteriza a Omoto?

 

Omoto é um broto derivado da religião Shinto – a religião indígena e nativa Japonesa, religião popular. No Japão temos duas grandes religiões: Budismo e Shentoismo.

 

O Budismo é claro, veio da Índia para o Tibet, China, Coréia e finalmente para o Japão. Mas o Budismo Japonês é muito diferente do Budismo da Índia. Por exemplo, no Japão a função do Budismo é promover cerimônias religiosas em funerais enquanto que na Índia a religião Hindu se incumbe dessa função.

 

No Japão vamos ao santuário Shinto quando um bebe nasce, mas são os pastores Budistas que executam a cerimônia do funeral quando alguém morre. Então, tanto o Budismo quanto o Xintoísmo são religiões importantes para o povo japonês.

 

Shinto não é como a maioria das religiões. Não tem fundador, doutrina ou organização religiosa. Shinto é muito diferente do Cristianismo. No Shinto não há nada que corresponda a Jesus Cristo, a Bíblia, a Igreja ou a Igreja Católica Romana.

 

No Shinto nós glorificamos a Natureza como criação de Deus. Então, o Shinto tem muitos pontos religiosos comuns com as religiões dos índios americanos. Originalmente, santuários tinham a forma de maravilhas da Natureza. A madeira é considerada sagrada, assim como as estrelas, a lua, o sol, a terra, a montanha, os oceanos e os pássaros. Todos são produtos do trabalho de Deus.

 

No passado o povo japonês reverenciava a Deus através da observação de fenômenos naturais. Por exemplo, eles poderiam adorar o espírito como uma manifestação em uma montanha em particular ou uma rocha especial, uma cachoeira ou riacho. Esses fenômenos naturais eram, então, os santuários. Mais tarde, influenciados pelo Budismo, Taoísmo e Confucionismo os japoneses começaram a construir santuários. Nesse ponto, Shinto era chamada “Santuário Shinto”, porque havia muitos santuários. Mesmo nos vilarejos mais humildes, você verá santuários.

 

No final do século 19, aproximadamente 13 religiões novas emergiram do Shinto: Tenrikyo, Konkokyo, Kurozumikyo e Omoto são algumas delas. Sendo seitas ou derivações do Shinto, são chamadas de Shinto Sectário (Kyoha Shinto). Omoto é uma dessas.

 

Como na mitologia grega, Shinto tem muitos nomes para os deuses. Como exemplos, há uma Deusa do Sol (Ame terasu omikami), um Deus da Lua (Tsukyiomi no mikoto), um Deus da Terra (Susano-o no mikoto), um Deus da Montanha (Oyamazumi no kami) e um Deus do Oceano (Owadatsumi no kami). Existem muitos, muitos outros mais – 8 milhões ! [risos]. Shinto é politeísta.

 

Mesmo a Omoto derivando desse sistema politeísta, ela é monoteísta. Os seguidores da Omoto acreditam em um Deus, o criador do Universo. O nome desse Deus é Ameno minakanushi no Okami. O nome aparece no Kojiki, crônicas antigas. “Ame”, significa “o céu” ou “o Universo”, “naka”, significa “o centro”, “nushi, significa “o Senhor ou o Mestre” e, “Okami”, significa “grande Deus”. Então, Ameno minaka nushi no Okami é o grande Deus que é o Senhor, o centro e o criador do Universo.

 

A historia da Omoto sempre começa com a incrível historia de uma mulher pobre e ignorante, Não Deguchi, que serviu de médium para um espírito chamado Ushitora no konjin. Quem é esse espírito?

 

Ushitora no konjin ou kuni tokotachi nomikoto é um dos estágios da criação do Universo. “kuni”, quer dizer “a terra”, “toko”, significa “eterno” e “tachi”, quer dizer “em pé”. Daí, “Deus que está em pé eternamente na terra”, é governador eterno do mundo.

 

Ainda assim, ele está acima do criador absoluto, Okuni tokotachi nomikoto, que é o criador do Universo. Ele também é conhecido por outro nome, Ame no minaka nushi no Okami.

 

Li em algum lugar que Ushitora no Konjin era o Deus do Nordeste. Mas algumas literaturas chamam o Deus do Nordeste “perigoso e mal” e alguns até descrevem rituais para proteção de seus jardins contra ele. Esse é o mesmo Deus?

 

Sim, ele é muito rígido – muito, muito rígido. Alguns anjos não agüentam um senhor tão rigoroso. Então, os ministros e anjos do Ushitora no konjin, que são divindades de hierarquia inferior, pediram ao Criador, ao Deus supremo, para que fossem banidos. “Não aguentamos trabalhar mais com ele”, disseram, “porque ele é muito perigoso”. O Deus supremo, Okuni tokotachi nomikoto disse ao Ushitora no konjin, “eu sinto muito, mas eles não gostam da sua maneira de ser. Por favor, deixe o trono, vá para o Nordeste e se esconda”. Então, por 3000 anos, de acordo com o que escreveu Não, ele se retirou do trono e escondeu-se no Nordeste.

 

O kuni tokotachi no mikoto é o Deus mais poderoso e Ushitora no konjin vem abaixo dele. No entanto, Ushitora no konjin tentou ser bem básico em seus ensinamentos e, sendo suas atitudes espirituais muito puras, honestas e rígidas, os outros anjos o odiavam. Por isso o perseguiram.

 

Eles usaram shimenawa (uma corda de palha onde se pendura papel em ziguezague), fecharam a entrada com uma grande rocha e fizeram encantos durante anos: “nunca mais apareça, nunca mais apareça”. Torraram os grãos para que não mais brotassem. Tiraram-lhe toda a sua vida. Mas finalmente chegou o dia dele reemergir. “Deus protegeu o mundo por de trás das cortinas”, disse ele. “Mas chega, o caos existe. Se o estado atual persistir, o mundo será arruinado”. Ushitora no konjin percebeu que tinha que voltar para o trono espiritual para se tornar o governante do mundo espiritual – não de tudo, do mundo todo, mas do mundo espiritual. Foi então que ele falou através da boca de Não Deguchi.

 

Quando o Deus supremo condenou Ushitora no konjin ao Nordeste, prometeu a ele que caso fosse paciente viria o tempo em que teria seu apoio. O tempo veio, e agora eles estão trabalhando juntos, em cooperação, para a nova ordem mundial. A justiça reinará sobre o mundo.

 

Como praticantes da Omoto, acreditamos que Deus enviou mensageiros e profetas para cada grupo de pessoas: para os Hindus, para os Chineses e para os Japoneses. Esses profetas serviram de transmissores das mensagens de Deus da maneira mais simples, usando modos de pensar, maneiras, costumes e linguagem que eram mais familiares para as pessoas a que se dirigiam. Em Japonês se diz “kami”, em Islã se diz “Allah”, em Cristão se diz “Deus”, em Budista se diz “Amitabha” e assim por diante. Nosso modo de vida é diferente e nossa língua é diferente, e por isso nossa religião parece diferente. Mas as pessoas da Omoto acreditam que todas as religiões são uma só e que todas vêm de Deus.

 

A Omoto é um membro muito participativo do movimento da Federação Mundial das Religiões. Na verdade, Onisaburo Deguchi patrocinou uma cerimônia de abertura para a Federação Mundial das Religiões em Pequim, em 1925. Entre os presentes havia representantes do Confucionismo, do Islamismo, do Budismo Lamaísmo Tibetano, do Futen, do Cristianismo e do Yuan Taoísmo. Omoto também é membro ativo do movimento da Federação Mundial das Religiões. Esse movimento invoca o estabelecimento de um único e unido governo mundial, no qual os países funcionariam como os estados dos EUA. A policia de cada país manteria a paz naquele país, enquanto o governo mundial teria um só exército, uma economia, uma política, uma religião e uma língua. Esse é o nosso sonho.

 

Quais práticas religiosas são praticadas quando se é membro da Omoto?

 

Em qualquer local em que estivermos – em Kamioka ou Ayabe, ou em alguma capela (existem 50) ou em casa (cada família da Omoto tem um altar particular em sua casa) – fazemos práticas pela manhã e no final da tarde, que consistem de orações. Amatsu Norito e Kamigoto.

 

Nas capelas locais, as pessoas se reúnem uma vez por mês e fazem as práticas. Noutras vezes há palestras sobre os ensinamentos e atividades da Omoto.

 

Também, duas vezes por ano – na primavera e no outono – cada uma das capelas locais faz seu festivais. Nos centros, em Kameoka e Ayabe, temos quatro festivais, um para cada estação do ano.

 

Não fazemos coisas como jejuns ou ficar sob cachoeiras no inverno ou andar sobre fogo. Austeridades religiosas em demasia fazem o corpo sofrer, não havendo qualquer relação com o coração, mente ou espírito.

 

Hoje, Onisaburo Deguchi é lembrado tanto como um artista como líder religioso.

 

Deguchi disse que a arte é a mãe da religião. Ele estava falando sobre a arte do criador do Universo, um grande artista que, entre seus trabalhos, inclui o sol, a lua, as estrelas, os seres humanos, cavalos e pássaros. Todas essas coisas são trabalhos maravilhosos de Deus. Daí, a religião vem da arte; a arte é a mão da religião. Nao e Onisaburo foram líderes artísticos que encorajaram os seguidores da Omoto a praticar a arte. Atividades artísticas não são atividades religiosas, mas o que é importante nisso é que há uma influência muito marcante e direta do coração, mente e espírito.

 

Numa parte da cerimônia do chá, por exemplo, você limpa uma colher. Esse gesto simples deve ser gentil, bonito e poderoso. Para manifestar a gentileza, beleza e poder, temos que cultivar nosso eu interior. Como efeito, pegamos nosso espírito e o polimos como se fosse um diamante, através da atividade artística. Então a arte é uma maneira eficaz de fazer progredir nosso cultivo, nossa própria evolução. Alguns seguidores escrevem poemas, outros fazem arte em cerâmica, caligrafia japonesa ou pintura. Alguns até tem lições de piano ocidental. Essas práticas têm muito a ver com o coração, mente e espírito.

 

Livros sobre o lado espiritual do Aikido as vezes usam a frase “chinkon kishin”. O que isso quer dizer?

 

“Chin” quer dizer acalmar e “kon” se refere ao espírito ou alma. Então, “chinkon” quer dizer “acalmar o espírito”. “kishin” é o retorno do kami – uno com Deus, uma possessão divina. Na época inicial da Omoto, chinkon kishin envolvia entrar em transe, unindo-se com o espírito que falaria sobre história. Após o primeiro incidente da Omoto em 1923, Deguchi baniu o chinkon kishin por ser muito perigoso.

 

No inicio das palestras que damos, fazemos a meditação chinkon. Por quinze minutos concentramos nossa mente, começando no terceiro olho e abaixando até o baixo abdômen. Essa é a meditação chinkon de hoje.

 

Como um praticante da Omoto, o que você vê de valioso no Aikido?

 

Existem dois sistemas nervosos: o sistema simpático e o sistema parassimpático. Normalmente quando nos excitamos, usamos o sistema nervoso simpático. Mas, quando relaxamos o sistema nervoso simpático, podemos fazer bom uso do sistema parassimpático. Nos acalmando, conseguimos cultivar nossos sistemas nervosos, intencionalmente aumentando o funcionamento do sistema parassimpático.

 

Pensar é fácil, mas fazer é muito difícil. Precisamos de treino – e Aikido é o treino ideal para isso. Através de relaxamento total, conseguimos manifestar um grande poder.

 

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