Buda e a Superação da Dor

 

Revista Esfinge – Nº 07

 

Atualmente, neste mundo altamente tecnológico, pouco natural e muito artificial, no qual acreditamos viver sobre o topo da civilização humana e acima de todos os séculos anteriores, nos assombra a possibilidade de poder encontrar soluções para todos os problemas humanos em ensinamentos que pertencem a um passado muito distante, como por exemplo, na época do Budismo.

 

A verdade é que o ser humano não muda. Continuamos tendo as mesmas perguntas sobre a natureza, sobre Deus, sobre nós mesmos. Buscamos a solução perfeita para encontrar a felicidade neste mundo, e para isso adentramos em livros e ensinamentos escritos há mais de dois mil e quinhentos anos, para que nos dêem uma pista sobre esse problema tão humano e tão real na vida de todos nós: a Dor.

 

O Budismo é considerado mais uma filosofia de vida do que uma religião, e não é uma doutrina nem velha nem nova, mas de sempre; dela extraímos um grande amor, uma grande compaixão por todos os seres, uma grande força interior que nasce de não esperar uma salvação vinda do exterior, na qual não existem pecadores, mas apenas um maior ou menor grau de ignorância.

 

Outro ponto fundamental no Budismo, como já dissemos, é a preocupação com a eliminação da dor, a qual não é causada por Deus, nem pelo mundo exterior, nem pelas pessoas que nos rodeiam, nem pelo governo, nem pela sociedade. Na verdade, somos nós mesmos que provocamos essa dor, e, portanto sua cura está em nós mesmos.

 

Se pensamos na Índia, pouco antes do nascimento de Buda, no século VI a. c., vemos um país no qual imperavam os reinos feudais e uma religião que ainda hoje perdura, o Bramanismo. Esta religião se tomou muito rentável para os Brâmanes, a casta superior, que converteram-na em uma série de rituais e regras com sacrifícios pouco profundos aos deuses, o que levou milhões de homens à idolatria e ao fanatismo. Buda chega ao mundo nesse contexto, trazendo uma doutrina de retomo à simplicidade e ao natural, e propondo acabar com a ignorância no coração das pessoas.

 

O Budismo é considerado mais uma filosofia de vida do que uma religião, e não é uma doutrina nem velha nem nova, mas de sempre.

 

Siddharta Gautama, o Buda, como ficou conhecido, nasceu em um palácio rodeado de riquezas e felicidade. Foi o primogênito do Rei Suddhodana, que sonhava com o dia em que o Buda ocuparia seu posto no trono. Porém, a vida, com todas as suas encruzilhadas, colocou o Buda em três situações que despertariam sua consciência diante de um mundo de dor que então se abria para seus olhos. Numa certa ocasião o Príncipe Siddharta saía de seu palácio para visitar uma cidade próxima quando encontrou um homem com aspecto estranho, pois andava muito encurvado, apoiando-se em uma muleta; suas mãos e seu rosto estavam enrugados e seus passos eram lentos e vacilantes. Era a primeira vez que o príncipe se encontrava com um velho, e que sentia em si mesmo a dor daquela pessoa; porém sua maior dor foi saber que o que se passava com aquele homem aconteceria com todos os seres humanos.

 

Aquele foi seu primeiro encontro; os outros dois aconteceram em circunstâncias similares, com uma pessoa doente e com uma comitiva que levava um cadáver.

 

A partir deste momento, Siddharta decidiu que tinha de buscar uma solução para acabar com a dor dos seres humanos. Abandonou sua vida luxuosa e fácil e se vestiu com roupas pobres, passando a mendigar e se perguntar sobre a verdade e a dor. Em toda essa busca, encontrou 5 ascetas que viviam em um bosque e que dedicavam sua vida à mortificação do corpo, porque acreditavam que assim se libertariam da dor e do apego à vida. O Buda acreditou ter encontrado a solução e durante 5 anos se entregou às maiores mortificações. Não bebia, apenas comia, e seu corpo parecia mais pele do que corpo. Porém, um dia passou por ali um grupo de bailarinas do templo de Indra e uma delas ia cantando: "... a corda da cítara, se a forçamos e a deixamos tensa, não faz música,... a corda da cítara, se está muito frouxa, emudece e a música morre. Tocando a cítara nem muito alto nem muito baixo toma a música mais bonita".

 

Através dessa canção, Buda compreendeu que estava forçando muito sua vida e que só tinha forças para respirar, ao que decidiu sair desse estado, fortalecer-se e continuar seu caminho em busca da libertação. Assim, foi até a árvore Bodi como Siddharta, lutou contra todos os seus defeitos, paixões, medo e ignorância durante 7 dias e 7 noites, após os quais passou a ser chamar Buda, o Iluminado.

 

As condições nas quais nos encontramos são o resultado do que pensamos; se um homem fala ou age com uma mente impura, a dor o segue sempre.

 

Se um homem fala ou age com uma mente pura, a felicidade o            segue como uma sombra inseparável.

 

E se dedicou, a partir de então, a contar às pessoas o que ele havia aprendido sobre a dor, sobre a busca do conhecimento e sobre os extremos que devem ser evitados: um extremo é apegar-se aos prazeres dos sentidos e o outro extremo é a mortificação de si mesmo. Este ensinamento constitui um dos pontos principais da doutrina de Buda, a busca pelo caminho do meio, afastando-se dos extremos.

Para alcançar este caminho do Justo Meio, é necessário conhecer antes as Quatro Nobres Verdades:

- A Dor.

- A Causa da Dor.

- A Cessação da Dor.

- Caminho que conduz à cessação da dor: Nobre Óctuplo Caminho.

 

1) A dor

A realidade do mundo se baseia na dor.

Desde que nascemos, experimentamos dor. Doenças, morte, velhice, sofrimentos. Todo desejo de vida, de possuir, de poder, se não se satisfaz, produz dor. Inclusive até no prazer já existe uma dor de que não seja duradouro.

 

2) A causa da dor

Sofremos porque somos incapazes de ver as coisas atemporalmente e nos prendemos. à intranscendência. Desejamos o terreno, desejamos ter comodidade, desejamos viajar todo fim-de-semana, desejamos ser desejados, desejamos um carro, uma casa, etc. Tudo o que nos rodeia e que podemos desejar através dos nossos sentidos, é desejado. Lutamos para possuir e conservar objetos que estão condenados à extinção. Confundimos o ilusório com o Real, confundimos o que é passageiro com o que acreditamos que durará toda a vida. Dirigimos nossa energia a um mundo em constante mudança onde nada perdura, e contemplamos o mundo com angústia enquanto o tempo escorre entre os nossos dedos. O que acontece quando não conseguimos tudo o que desejamos? Sentimos dor. O que acontece quando o conseguimos? Sentimos dor, porque não podemos deixar de desejar mais coisas.

 

Assim como a chuva não penetra em uma casa bem fechada, da mesma maneira as paixões não dominam aquele cuja mente é reflexiva e está exercitada.

 

O que faz o mal sofre neste mundo, e no mundo seguinte; em ambos sofre. Sofre e padece ao ver os maus frutos de suas próprias obras.

 

3) A cessação da dor

Como o ser humano não pode deixar de desejar, Buda nos propõe desejar coisas que se dirijam não ao mundo material e passageiro, mas a um mundo mais duradouro e menos egoísta. Canalizar nosso desejo para a nossa parte espiritual, adquirindo uma forma de vida mais inegoísta, dedicada a desejar o melhor para os demais.

 

4) Nobre óctuplo caminho

O caminho que conduz à cessação da dor é seguir a lei: Dharma. A dor nos avisa que saímos da lei. A ignorância produz dor. O Bem é a harmonia e o mal é a falta de harmonia.

 

Reto conhecimento ou retas opiniões:

É saber discemir. Estar iluminado com a luz da compreensão. Não deixar que o mundo e sua maldade nos entristeçam.

 

Reto pensamento ou retas intenções:

É ter sinceridade de intenção. Ter propósitos elevados, inclinação à pureza, à honra, à amabilidade e à compaixão. Cumprir com nossas promessas, preocupar-nos com os direitos dos demais. Ser generosos, justos, bons e valentes.

 

Como um arqueiro endireita sua flecha, assim o Sábio endireita sua mente instável e vacilante, a qual é difícil de dominar, difícil de vigiar.

 

Tal como um peixe tirado do seu ambiente e jogado sobre o chão, assim treme e se agita a mente quando tem que abandonar o mundo das paixões.

 

Retas palavras:

Não mentir ou insultar e evitar conversas ociosas. O fogo na língua devora tanto o coração quanto a alma. Não falar com agressividade, as discussões criam dor.

 

Retas ações:

Não destruir a vida ou roubar. Ter cuidado aqueles cujas palavras diferem de seus atos. Que as ações sejam um guia para a humanidade. As boas ações nunca causam dor.

 


 

Retos meios de vida:

Ganhar a vida honradamente e empregar-se em algum ofício sem perder tempo com a preguiça. Ocupar-se do que seja benéfico para si próprio e também para os demais.

 

Reto esforço:

É o esforço que devemos fazer para que o mal não apareça em nós. Se aparecer, nos esforçaremos para tirá-lo de nós. Assim, nos esforçaremos para que apareçam as boas atitudes. Os maiores esforços devem ser direcionados ao desprendimento ou desapego das coisas do mundo. Lutar para       sermos mais espirituais e luminosos.

 

Reta atenção:

Manter-se atento a tudo o que foi dito anteriormente. Rejeitar a cobiça como se passássemos por um vale de ouros puros sem nos importarmos com ele, indiferentes.

 

Reta concentração:

É a abstração na meditação. Encontrar a felicidade se distanciando de todos os objetos que nos rodeiam. Libertar o ser humano de sua natureza animal.

 

Ele me enganou, me golpeou, me derrotou, me roubou. Nunca se consume o ódio daqueles que abrigam tais pensamentos.

 

Ele me enganou, me golpeou, me derrotou, me roubou. Está consumido o ódio daqueles que não abrigam tais pensamentos.

 

Através destes ensinamentos, o que o Budismo nos transmite é a idéia de "Conhece-te a ti mesmo". Nem os deuses nem os demônios podem tentar salvar o homem. Não existe salvação externa. Cada qual por seu próprio esforço deve conhecer-se, reconhecer sua própria ignorância, e saber que depende apenas dele mesmo ser mais ou menos sábio, sofrer mais ou menos com a dor.

 

A filosofia budista nos oferece uma imagem de suavidade, e nisso se compara a algumas frutas, que são macias e suaves por fora, mas guardam uma grande dureza em seu interior. O Budismo não se mostra externamente com dureza, porém seu coração é forte e resistente, com a possibilidade de sacrificar seu próprio eu antes de exigir o sacrifício dos demais. Exemplo que nos deu o Buda através de sua vida, essa força espiritual que se intui através do sorriso refletido em tantas estátuas e que nos transmite tanta serenidade e sabedoria.

 

Bibliografia:

- Buda. Coleção Cosmos. Edimat Libras, S.A.

- Budismos Zen e Budismo tibetano. Ramira A. Calle. Editoria Alas.

- Uma introdução ao budismo. Moojan Momen. Editoria Bahaí.

- Os ensinamentos do glorioso Buda. Manly Palmer Hall. Editoria Kier, S.A.

- A luz da Ásia. Arnold Edwin. Editoria Kier, S.A.

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