ESCOLHA
 
Texto extraído do livro:
Profunda Simplicidade – Uma Nova Consciência do Eu Interior
Will Schutz
Ed. Agora

“Se você está com a saúde abalada, pode remediá-la. Se seus relacionamentos pessoais são insatisfatórios, você pode torná-los melhores. Se você está na miséria, poderá ver-se rodeado pela abundância... Todos vocês, independentemente da posição, do status, das circunstâncias ou das condições físicas, estão no controle de suas próprias experiências.”

Seth22

No início da década de 60, eu realizei um trabalho chamado T-grupo, para o National Training Laboratories (NTL), em Bethel, Maine. Muitos workshops eram conduzidos simultaneamente e todos eram com grupos de mais ou menos quinze pessoas. A fim de nos eximir do que era considerada uma responsabilidade profissional, o diretor do NTL iniciava a sessão anunciando, com expressões cada vez mais eufemísticas, alguma coisa do tipo:

"Poderão existir momentos em que vocês venham a sentir pesada a experiência do grupo e então talvez desejem conversar com uma pessoa a respeito do que está acontecendo com vocês. Para tanto, haverá um conselheiro disponível na Sala 104 entre quatro e seis da tarde. Não hesitem em procurá-lo, se sentirem a necessidade".
Em média, cerca de 2/3 dos participantes de cada workshop procurava pelo conselheiro. Em 1963, havia quatro de nós testando algumas idéias sobre criatividade e crescimento pessoal e nos ocorreu que talvez fosse proveitoso omitir o aviso recomendando que o conselheiro fosse procurado, se necessário. O diretor cooperou e, para nossa surpresa, ninguém solicitou uma entrevista com esse profissional.

No final do workshop tentei descobrir por que, pois o trabalho tinha sido bastante intenso. Depois de conversar com diversos participantes, concluí que a razão de eles não terem buscado ajuda extra estava altamente relacionada à expectativa dos líderes do grupo.
 
Quando sugeríamos um conselheiro, se necessário, estávamos transmitindo aos participantes nossa crença de que eles talvez não conseguissem enfrentar sozinhos todos os acontecimentos daquelas duas semanas. Ao atingirem um ponto de alto nível de tensão, forçosamente assumiam que este era o momento em que precisavam de ajuda, como o tinham deixado implícito os líderes. A partir do momento em que esse aviso passou a não ser mais dado, transmitia-se aos membros do grupo que a equipe sentia serem eles capazes de enfrentar qualquer situação que se configurasse. Quando estavam vivendo seu momento de maior tensão, presumiam que, já que os líderes tinham suposto que os participantes poderiam enfrentá-lo sozinhos, eles poderiam conseguir isto - e o faziam.

Para mim, isto foi extraordinário. Era algo contrário ao meu treino acadêmico, de orientação psicanalítica. Era algo inconsistente com o modelo médico. E também muito razoável. Se eu, enquanto líder de grupo, espero que você, como participante, seja alguém fraco, então elicio em você sua parte fraca. Se espero de você que seja capaz de enfrentar, então elicio em você sua força.
 
Desde então, tenho pesquisado a área da responsabilidade. Fui particularmente influenciado pelas idéias de Fritz Perls e de Werner Erhard, e também pelos livros de Seth. Quando comecei a trabalhar nessa idéia e a divulgá-la, percebi que um número cada vez maior de pessoas estava chegando a conclusões semelhantes.
 
Tendo então atravessado um percurso semelhante com o conceito de honestidade interpessoal, tenho a sensação de que é tempo de abordar o conceito de escolha. A noção de que todas as pessoas escolhem as próprias vidas parece ter-se originado em vários lugares, independentemente uns dos outros. Por exemplo:
 
Axioma X: Só você tem responsabilidade sobre sua evolução pessoal.
 
Arica26

Você é deus em seu universo.
Você causou.
Você fingiu não tê-Io causado para que pudesse brincar ali. E você pode se lembrar de tê-Io causado, toda vez que quiser.

Werner Erhard

Veja cada problema não como uma coisa que simplesmente lhe aconteceu, ou que você é assim por acaso, mas como: (1) algo que você decidiu fazer; (2) um jeito que você decidiu ser; (3) uma forma que você decidiu optar para ver as outras pessoas. Em outras palavras, veja seu problema como uma decisão que você tomou.
 
Harold Greenwald
 
Somente você mesmo pode ser seu próprio libertador.
Wilhelm Reich

...é a própria pessoa que determina, na maioria dos casos, se os acontecimentos de sua própria vida continuarão ou não existindo.
 
Fritz Perls
 
Até mesmo Shakespeare indicou a existência deste conceito em The Tempest: "O que passou é um prólogo; o que está por vir (é) sua e minha imputação".
 
Cada versão deste princípio difere um pouco das demais. A seguir, exporei minha visão pessoal da questão.
 
Escolho tudo o que faz parte de minha vida e sempre o fiz. Escolho meu comportamento, meus sentimentos, meus pensamentos, minhas enfermidades, meu corpo, minhas reações, minha espontaneidade, minha morte.
De algumas destas escolhas, escolho tomar consciência, e de algumas outras, escolho não tomar consciência. Geralmente opto por não perceber sentimentos com os quais não quero me confrontar, pensamentos que são inaceitáveis, e algumas das relações de causa-e-efeito entre determinados eventos.
 
O que tem sido denominado inconsciente fica, com esta formulação, desmistificado. Escolho até isso. Meu inconsciente é, simplesmente, todas aquelas coisas das quais escolho não tomar consciência.
 
Não existem incidentes. Os acontecimentos ocorrem porque escolhemos sua ocorrência. Nem sempre estamos conscientes de os estarmos escolhendo.
 
Uma vez que aceitamos a responsabilidade pela escolha de nossas vidas, tudo fica diferente. Temos poder. Decidimos. Estamos no controle.
 
Se eu aceitar o conceito de escolha, devo dar uma interpretação diferente a muitos dos principais conceitos vigentes nos grupos de encontro e nas psicoterapias, conceitos tais como pressão de grupo, manipulação, uso das outras pessoas, lavagem cerebral, bode expiatório e masturbação mental. Todos esses termos implicam que alguma coisa está sendo feita a mim quando, de fato, eu estou consentindo que algo seja feito a mim. Uso tais expressões para responsabilizar outras pessoas por algo que eu faço comigo.
 
Suponhamos, por exemplo, que defendo uma determinada crença enquanto membro de um grupo. Para minha infelicidade, descubro que todos os demais participantes do grupo discordam de mim. Depois de muitas "armadilhas", "coerções" e "encurraladas", o grupo "me quebra ao meio" e me força a mudar de opinião.
 
De volta ao aconchego de meu lar, noto que ainda me sinto do mesmo modo que antes. Começo a perceber o que foi feito comigo. Esse grupo fez uma lavagem cerebral em mim! Eles me forçaram a mudar minha opinião! O líder aproveitou-se irresponsavelmente de sua autoridade e me dominou por completo!
 
Se eu assim o decidir, posso contentar-me com essa explicação e posso até mesmo tornar-me um crítico indignado da "tirania dos grupos". Posso inclusive vincular minha experiência à lavagem cerebral dos chineses e redigir um artigo no qual exija que o comitê de ética suprima esse comportamento inaceitável.

Porém, no caso de eu aceitar o princípio da escolha, eu iria adiante e reconheceria que eles não mudaram minha opinião; eu o fiz. O máximo que eles fizeram foi dizer e fazer coisas. Eu interpretei o que fizeram e disseram como sendo pressão do grupo. Eu atribuí ao líder sua autoridade. Eu aceitei as projeções do grupo como pertinentes ao meu caso. Os participantes do grupo podem ter tido a intenção de mudar minha opinião, mas eu tive que consentir com isso para que acontecesse.
 
Quando chego a essa percepção, cresço no entendimento de mim mesmo e beneficio-me desta experiência. O que é que há em termos de falta de segurança, de falta de estabilidade, de falta de eixo, de necessidade de ser aceito, que me faz mudar minha opinião quando, na realidade, eu não penso de modo diferente?
 
Quando investigo minhas próprias incertezas, dou-me conta de ter recebido um presente do grupo. Nele foram criadas circunstâncias que usei para descobrir minhas próprias certezas e seguranças a respeito de minhas crenças, para constatar o quanto é importante para mim ser querido, o quanto posso resistir sem perceber, ou como sou fraco quanto àquilo em que acredito.
 
Enquanto líder de grupos de encontro ou terapia, minha ênfase não está em limitar aquilo que você tem permissão de fazer (não projete, não interprete, não analise, não fuja pela tangente, não critique). Estimulo-o a dizer o que for. Os que recebem os comentários têm, então, a oportunidade de usá-los para aprender mais coisas a respeito de si próprios.
 
Além de os grupos não me pressionarem, as coisas não me assustam. Posso dizer que sinto medo de uma pessoa, como você; ou de uma situação, como a de rejeição; ou de uma coisa, como aranhas. Mas, para ser consistente com o ponto de vista da escolha, não tenho realmente medo de nada disso à minha volta; tenho medo de minha incapacidade de lidar com você, com a rejeição, com as aranhas. Enquanto eu vir você como sendo a causa do meu medo, passo todo o meu tempo tentando mudar, criticar, evitar ou destruir você. Mas assim que vir que o medo existe em mim, posso trabalhar em cima da capacidade que tenho ou não de enfrentar o que me surge - e este é, sem dúvida, um trabalho muito proveitoso.
 
Existe tão-somente um medo: o medo de não ser capaz de dar conta - de minha própria incapacidade.
 
Suponhamos que eu tenha medo que você entre em meu consultório porque "você fala o tempo todo", "você ocupa todo o meu tempo" , "eu nunca consigo fazer coisa alguma quando você está por perto" , "você invade minha privacidade". É um horror ver você chegando.

Sinto horror de ver você se aproximando porque não me sinto capaz de lidar com você. Assim que eu aprender a lhe pedir que saia quando eu não quiser mais que você fique por perto, não sentirei mais horror diante de sua aproximação. Quando eu sinto que posso enfrentar essa situação, não sinto medo.
 
Não é necessário crer no conceito de escolha para examinar suas conseqüências. Se você assume que a escolha é uma verdade, você tem a oportunidade de descobrir se ela é verdadeira. Se você presume que grande parte da vida é casual, você jamais saberá se é ou não. O que há a perder?
 
Depois de ter aceito a idéia de escolha, ao longo dos últimos doze anos, fico me indagando: por que escolho acreditar nela? Com oito anos de idade, meu poema favorito era Invictus, de William Ernest Henley. A parte que eu mais gostava era a famosa sentença: "Sou o senhor de meu destino, Sou o capitão de minha alma" . Aparentemente, ou nessa idade eu tinha uma vontade muito forte de sentir que escolhia todas as coisas, ou tinha um princípio de intuição de que a idéia da escolha era uma verdade; ou ambas as coisas.
 
Eu também adorava quebra-cabeças. Um de meus heróis era Sherlock Holmes. Eu passava horas fazendo palavras cruzadas ou quebra-cabeças lógicos. Certa vez fiquei acordado a noite inteira jogando uma moeda para o ar 12 mil vezes, para verificar se a curva normal era uma verdade. Se eu escolho todas as coisas, e se não há casualidades, então a vida se torna um quebra-cabeças solucionável. Se há muitos fenômenos acidentais, nada há para ser desvendado. Prefiro o quebra-cabeças.

INCONSCIENTE

Embora seus significados sejam virtualmente idênticos, prefiro usar os termos "aware" e "unaware" em vez de "conscious" e "unconscious", * pois considero-os mais descritivos e precisos. Tendo em vista porém a facilidade de compreensão, usá-Ios-ei como sinônimos.
 
Segundo o Dicionário Inglês-Português editado por Antonio Houaiss, com base no Webster, são as seguintes as traduções dos termos "aware": ciente, a par, inteirado, informado, cônscio, sabedor; "conscious": consciente, cônscio, ciente, a par, sabedor, intencional, deliberado, propositado; "unaware": desapercebido, inconsciente, alheio; "unconscious": inconsciente, involuntário, desacordado; "awareness": conhecimento, consciência, percepção; "consciousness": consciência, percepção, conhecimento.

Nem todas as escolhas são conscientes. Ou, para dizer com mais exatidão, em alguns casos não me permito saber que quem escolhe sou eu. Já desde muito pequeno posso ter decidido que é doloroso demais ter consciência, por exemplo, do sentimento de que as outras pessoas me acham burro (e, mais essencialmente, que pensam que eu sou burro). Portanto, bloqueio meu sentimento de burrice.
 
Um dos comportamentos que manifesto a fim de não ter que confrontar meu sentimento de burrice é a competitividade. A fim de fazer meus competidores não parecerem melhores que eu, eu os engano. E também não me permito saber que os estou enganando porque, se eu o permitir, precisarei então perceber que me sinto burro. Enganar passa a ser um ato que escolho executar e que não me permito perceber que realizo.
 
Além disso, posso sentir-me culpado por enganar os outros e não me permitir saber que me sinto culpado. Essa culpa me faz enganar os outros de tal modo que eu possa ser denunciado e punido e, assim, expio minha culpa. Fico muito zangado com as pessoas que me flagram, apesar de não ter consciência de ter articulado todo o desenrolar de acontecimentos até ser flagrado.
 
Um dos objetivos fundamentais dos grupos de encontro e da terapia é ajudar a você, como participante, a tornar-se cônscio daqueles fenômenos dos quais não tem ciência. Assim que você se torna consciente, as decisões que tomar estão sujeitas à sua vontade. "Vontade'' é um termo que usarei como referência a uma escolha feita deliberadamente. Se, no exemplo acima, eu percebo que me sinto culpado, então, com consciência de mim mesmo, posso escolher se quero ou não ludibriar alguém.
 
Elucidar aquilo que é despercebido é algo bastante parecido ao tradicional objetivo psicanalítico de tornar o inconsciente consciente.

AVALIAÇÃO
 
As categorias bom-mau, certo-errado, moral-imoral, ético-antiético, não são usadas nesta abordagem, em momento algum. Atribuir tais qualidades a uma conduta em particular também é uma questão de escolha.
 
Acontece alguma coisa - um comportamento, uma interação - e é isso o que acontece. É isso que existe. Se eu escolho chamar esse comportamento de certo, moral, antiético, tenho essa escolha. Talvez muitos concordem chamá-lo do mesmo jeito. Mas esse comportamento só é o que é. O fato de todos concordarmos que é errado não o torna errado; faz apenas com que seja um ato que chamamos de errado. Se outras pessoas optarem por considerá-lo correto, podem fazer essa opção.
 
Depois de vivenciar esse comportamento, posso escolher reagir sentindo-me culpado, enciumado, alegre, furioso, amoroso, magoado. Outras pessoas podem escolher reagir de modo diferente ao mesmo acontecimento. Em geral, não penso que posso escolher o modo como sinto ou como reajo diante de um evento. É mais preciso dizer que não estou me permitindo tomar consciência da base na qual fundamento essa escolha de sentimentos. Se me deixar ir a fundo e localizar essa base, posso trazer minha escolha ao nível de minha percepção consciente e então modificá-la se assim o desejar.
 
Sandra compareceu recentemente a um workshop e me disse que se sentia culpada por estar participando dele. Pedi-lhe que agisse como se sua culpa fosse uma outra pessoa e que então conversasse com ela. Sua culpa respondeu: "Estou aqui porque você deixou seus filhos em casa".

Era verdade que ela havia deixado as crianças em casa, mas, indagou depois, qual era a vantagem de sentir-se culpada por isso? Imediatamente, ela pensou no que sua própria mãe diria: se Sandra não se sentisse culpada, então que espécie de mãe seria? Sentindo-se culpada, ela pelo menos demonstrava uma preocupação que toda mãe ideal sentiria.
 
Quando Sandra percebeu tudo isto, também tomou consciência de que, na realidade, não se sentia culpada por ter deixado os filhos. Eles estavam se divertindo e ela sentia estar fazendo algo que valia a pena. Agora, ela estava ciente de todos os fatores e podia escolher se queria ou não se sentir culpada. Escolheu não se sentir assim.
 
Quando avalio meus próprios sentimentos como maus, protelo minha possibilidade de descobrir, no fundo, quais são eles. Se temo não ser um homem, posso escolher não admitir meu medo de muitas situações. Se pensar que desejo sexual é uma imoralidade, posso não me permitir saber que, em certas circunstâncias, sinto esse desejo. Se sentir que é errado desejar algum mal pessoal a alguém, posso impedir-me de saber que abrigo esse sentimento.
 
Às vezes, reajo à minha falta de consciência, tornando-me muito crítico em relação às pessoas que têm os mesmos sentimentos que eu eliminei de minha consciência. Posso concretizar minha negação do desejo sexual que sinto entrando para a Liga da Decência e Bons Costumes onde terei motivos justos para censurar filmes pornográficos enquanto, ao mesmo tempo, estarei satisfazendo meus próprios desejos inconscientes, uma vez que passo horas e horas assistindo a lixo sexual.
 
A morte prematura de sua esposa, mãe de seus três filhos, deixou Howard muito deprimido. Ela já havia morrido há dois anos, mas ele ainda não tinha terminado seu luto. Ele sentia muito profundamente a perda da mulher, e aparentemente não conseguia superá-Ia, foi o que disse. Conforme avançava o trabalho com Howard, foi ficando claro que ele sentia uma grande culpa por causa dos sentimentos negativos que tivera pela esposa e, energicamente, negava-os.
 
Como acontece com quase todos os casos de perda de um parente próximo, ou de uma pessoa muito querida, os verdadeiros sentimentos de Howard eram uma mescla de tristeza, perda, raiva por ter sido abandonado, ressentimento por ter que criar três filhos sozinho, e alívio por ter sido libertado da parte tensa de seu relacionamento. À medida que foi vendo que esses sentimentos eram naturais, teve disposição para se livrar de sua culpa e para examinar os sentimentos que, na realidade, nutria por ela.

Enquanto estivera gastando sua energia para a manutenção da mentira de que todos os sentimentos relativos à sua esposa eram positivos, a energia de Howard para viver era mínima. Ele precisava admitir seus verdadeiros sentimentos e aceitá-Ios, para depois viver o retorno de sua energia vital. Depois que isto aconteceu, seus olhos voltaram a brilhar, sua respiração ficou mais profunda, e seu corpo livrou-se de um peso enorme.
 
PAIS

Até onde alcança a escolha? As crianças escolhem? Os bebês escolhem? Escolhemos nossos pais?

Desde o começo, escolho tudo em minha vida.
 
Houve uma mulher que regrediu à idade de nove meses e conseguiu recordar-se de como controlava a mãe sabendo quando rir, quando chorar, quando ficar com asma para que sua mãe precisasse ficar com ela, ao invés de sair à noite para passear. Estão sendo feitas pesquisas sobre como as crianças condicionam seus pais.

A questão da escolha dos próprios pais exige uma crença metafísica a respeito do que aconteceu antes que o espermatozóide e o óvulo se encontrassem. De acordo com o pressuposto ocidental, eles nunca se encontraram antes para juntos produzirem um feto; a escolha de qual espermatozóide em particular fertiliza qual óvulo seria, em grande medida, determinada pelo acaso. Esta é uma perspectiva que dificilmente se pode submeter a teste.

Da mesma forma, minha crença é difícil de testar. Mais favorável à perspectiva oriental, creio na reencarnação, no seguinte sentido:
 
Somos todos essências. Escolhemos um corpo e vivemos uma vida. Em geral, existem alguns aspectos que não são resolvidos em cada período de uma vida. Os orientais chamam a estes aspectos não resolvidos de karma. A essência deve se haver com seu karma, a fim de evoluir para um nível mais elevado. Nesse sentido, a essência escolhe os pais, os genes, os cromossomos, o DNA, que lhe permitirão trabalhar para a resolução destas questões. De certo modo, então, escolhemos em parte nossos pais, para que possamos trabalhar nas nossas áreas de dificuldade ainda em aberto. Em geral, elas nos são problemáticas e aí está o x da questão.
 
A rigor, não podemos responsabilizar ninguém por nossas vidas. Elas são por nós escolhidas, antes mesmo de começarem. Assim que aceitarmos nossa responsabilidade, poderemos nos dedicar à tarefa de modificá-las - se optarmos por isso.
 
OPÇÕES
 
Embora minhas escolhas sejam sempre feitas a partir de opções, nem todas as opções são igualmente simples de serem constatadas. Neste momento, percebo que é mais difícil modificar a pressão sangüínea de meu corpo que erguer meu braço. A primeira tarefa exige conhecimento, domínio, consciência corporal e controle muito maiores do que os que agora permito-me possuir. Há cem anos, era ainda mais difícil alterar a pressão do sangue. Mesmo se eu presumir, como o faço agora, que tenho a capacidade de fazer qualquer coisa, e que não estou me permitindo saber que tenho essa capacidade, ainda assim é válido distinguir graus de dificuldade para a realização de determinadas escolhas.
 
O mundo cria condições que tornam mais fáceis algumas opções. Escolher a opção: "Não se molhar no meio de uma tempestade" exige capacidades que poucas pessoas terão permitido a si mesmas desenvolver.
 
Quando interagimos, crio condições segundo as quais o outro sente que determinadas opções são mais imediatas ou mais fáceis de serem escolhidas. Se você escolhe ir ao cinema e eu escolho algemá-lo ao radiador, é provável que eu esteja criando uma situação mais difícil para você do que se eu o levasse de carro até o cinema. Crio as condições. Você interpreta quais são elas e, dentro de seu âmbito, faz uma escolha diante das várias opções.
 
Se eu criar condições diante das quais você se sente à vontade para escolher as opções que deseja, então você virá ao meu encontro e provavelmente gostará de mim. Se eu criar condições nas quais você tenha dificuldade de escolher as opções desejáveis, então será menos provável que você me procure e goste de mim.
 
Sempre tenho a escolha de criar condições que, antecipadamente, parecem ser mais ou menos favoráveis à consecução dos objetivos do outro. Em parte, a reação do outro à minha pessoa é determinada pelas condições que eu crio. Se você acha que é difícil realizar suas escolhas dentro do clima que eu crio, provavelmente você tentará mudar a situação (1) mudando a mim; (2) mudando sua percepção da situação que crio, de modo que seja mais compatível com seus desejos; (3) saindo da situação.
 
SOCIEDADE

A estrutura social resultante de pessoas que são responsáveis por si mesmas fornece a base para a existência da melhor sociedade possível. .
 
Suponhamos que comece a mentir, a ludibriar e a faltar com minhas promessas. Uma vez que as escolhas não são avaliáveis, essa escolha é um comportamento legítimo. Estou escolhendo ser mentiroso, falso e caloteiro.
 
Se eu fizer essa escolha, poderei em pouco tempo perceber que não tenho amigos, que fui processado, que perdi meu emprego e que sou visto como "ovelha negra", em decorrência do modo como os outros escolheram responder às minhas condutas. É muito provável que, então, eu reconsidere minha escolha de mentir, enganar e faltar com a palavra, fazendo escolhas diferentes.
 
Minha mudança de comportamento não se deve a qualquer consideração a respeito do outro; tampouco mudo minha conduta para ser ético, gentil, altruísta. Mudo para poder eliciar no outro o tipo de resposta que desejo.
 
Posso também mudar porque quero me considerar uma pessoa decente, confiável. A idéia que tenho a meu próprio respeito é um forte elemento motivador para minhas condutas. Uma vez que posso ser qualquer espécie de pessoa que escolher ser, escolho o tipo que mais gosto.
 
Minha experiência pessoal mais incrível com este poder do autoconceito aconteceu no tempo de McCarthy, quando eu era universitário e estudava na VCLA; houve então a questão de assinar um juramento de fidelidade ao não-comunismo. Uma vez que nessa época eu dependia essencialmente de meu salário de monitor, essa questão vinha testar a força de meus princípios, os quais me orientavam no sentido de não assinar esse juramento.
 
Discuti longamente com meu pai sobre o assunto e ele achou que, em princípio, eu estava certo, mas iria arruinar meu futuro se não assinasse. Então fui a um restaurante com alguns amigos. Debatemos a questão e pareceu-nos lógico assinar o juramento e continuar a luta "por dentro". Decidi assinar.
 
Quando saí para a luz do dia e me pus a andar, senti uma nuvem pesada e escura instalando-se sobre mim. Meu corpo, que eu estava apenas começando a aprender a ouvir, estava me dizendo que alguma coisa não estava certa.
 
Nesse momento, minha voz falou para mim: "Não é este o tipo de pessoa que quero ser. Não quero concordar com um certo princípio por uma questão de conveniência. Não vou assinar".

Depois disso, a nuvem se dissipou e novamente senti-me leve e aberto. Mais uma vez meu corpo havia falado.
 
Essa foi a primeira vez em que me dei claramente conta de que meu comportamento dependia da minha escolha. Eu poderia ser qualquer tipo de pessoa que quisesse. Essa era a base de minha conduta. Havia dezenas de motivos para fundamentarem minha decisão, mas eram apenas motivos. Minha escolha baseou-se no tipo de pessoa que escolhi ser.
 
A estrutura social é uma decorrência de pessoas que fazem suas próprias escolhas. Não há "deve ser" neste mundo. Exortações morais do tipo "ajudar ao próximo" , ou "levar em consideração os sentimentos dos outros" não são exigências: fluem naturalmente, se a sociedade focalizar as escolhas pessoais.
 
Se decido querer uma resposta positiva de sua parte, então descubro que situações posso criar e das quais você gosta. Isto exige que eu observe e conheça você.
 
Todo comportamento se origina em motivos egoístas ou de interesse pessoal. Isto, em si, não é nem "bom", nem "mau". Simplesmente, é assim.
 
O princípio da escolha implica que as minorias sociais são oprimidas somente se se permitirem ser mantidas na posição que denominam de oprimida. O paradoxo é que essa atitude social aparentemente reacionária devolve "poder à pessoa" . Enquanto os membros dos grupos minoritários acreditarem que os brancos (os homens, os conservadores, o sistema} os vêm oprimindo por centenas de anos, o único momento em que essa opressão pode cessar será quando a maioria decidir parar de oprimir a minoria. Quando a minoria admitir que é oprimida porque se deixou sofrer tal opressão, então esta cessará quando os membros da minoria decidirem parar de permitir isso. Eles têm esse poder.
 
Nos movimentos de liberação das últimas décadas, as minorias começaram a fazer progressos consistentes para sua própria libertação, depois de terem admitido sua responsabilidade imediata e depois de terem optado por modificar a situação. Black power e Black is beautiful* são lemas desta mudança de atitude e desta retomada do poder.
 
COMPAIXÃO

Apesar de acreditar que você escolhe sua vida, isto não me impedirá de ter compaixão por você. A compaixão se define como um sentimento de simpatia e pena profunda por outra pessoa, afligida por um sofrimento ou catástrofe, sentimento este que vem acompanhado por um forte desejo de atenuar a dor ou eliminar sua causa. Para mim, sentir-me compadecido significa sentir o desejo de criar condições dentro das quais você escolha diminuir sua própria dor. Mesmo que eu o quisesse, não haveria meios de poder remover completamente sua dor. Sua dor é uma escolha sua, e você é a única pessoa que pode escolher não senti-Ia. Eu posso apenas criar condições dentro das quais você sinta ser preferível modificar seu sentimento.
 
O quanto de compaixão pessoalmente sinto por você vai depender do quanto me importo com você como pessoa e de três fatores pelos quais eu o percebo: (I) você aceitar ou não responsabilizar-se por si mesmo; (2) você estar disposto a solucionar seu próprio problema; (3) você se permitir saber como resolver suas dificuldades.
 
Se você assume a responsabilidade por sua própria situação e está disposto a conseguir melhorá-la, em geral não pede compaixão. Meu sentimento será mais de receptividade e admiração por seu estilo de enfrentar a própria vida.
 
Quando você aceita responsabilizar-se por sua situação, está disposto a resolvê-Ia; porém, não se permite saber como lidar com ela tenho o mais forte sentimento de compaixão por você. Se achar que conheço um método para solucionar seu problema, escolho assumir o papel de professor. Esta situação acontece freqüentemente, no papel de líder de grupo de encontro. As pessoas manifestam sua disponibilidade para enfrentar seus problemas e simplesmente ainda não alcançaram os conhecimentos ou as habilidades e técnicas necessárias para conduzir seus esforços a uma conclusão satisfatória. Escolho apresentar então técnicas relevantes, e também idéias, como opções para serem levadas em consideração.
 
Minha compaixão por tais pessoas é ainda maior quando eu também desconheço os métodos necessários para enfrentar um certo problema. Bob, um amigo íntimo, teve leucemia há vários anos. Ele achava que se havia deixado ter essa enfermidade e, pára corrigir seu problema, tentou todos os métodos de cura conhecidos, desde a Medicina tradicional até curas paranormais. Percebi-me completamente envolvido na tarefa de pensar e trabalhar com Bob para criarmos novas possibilidades que ele viesse a tentar. Meu sentimento de empatia e proximidade por ele não poderia ter sido mais completo.
 
Sinto compaixão, quase com a mesma intensidade que no caso anterior quando você admite que está escolhendo sua condição e que opta por não corrigi-Ia por si mesmo. Trabalhar na elaboração de uma solução pessoal de um problema é, normalmente, uma tarefa considerável, e talvez você escolha atribuir sua responsabilidade a uma outra pessoa. As enfermidades geralmente colocam esse tipo de problema. Você tem consciência de ter dado a si mesmo uma enfermidade, mas não quer empreender a tarefa de experimentar e pesquisar meios suficientes para resolver sua dificuldade.
 
Nesta situação, é freqüente eu sentir o vínculo da fragilidade humana. Afinal, tomar uma aspirina às vezes é mais fácil do que fazer exercícios de imagens dirigidas ou uma experiência gestáltica. Às vezes, perceber uma dificuldade é quase insuportável. E quando a situação se torna por demais opressiva, recorro ao escurecimento.

Quando você não assume a responsabilidade por seu próprio comportamento, então minha compaixão some. Suponhamos que, por motivos que você não se permitiu conhecer, você sente inveja quando está perto de mim, e também não aceita que está escolhendo sentir-se invejoso. Dependendo das circunstâncias, minha resposta varia entre as três seguintes: (1) você está criando seu próprio problema, escolhendo sentir-se invejoso; para compartilhar de sua trama preciso eliminar meu prazer, o que recuso-me a fazer; (2) aceito por enquanto que você escolha não aceitar responsabilizar-se por seu sentimento de inveja, mas, como conheço a dor da inveja, seja como foi que surgiu, escolho facilitar para você meios para evitar essa dor e, assim, eliminarei as situações por mim criadas e que provocam em você uma reação de inveja; (3) escolho ajudá-Io a investigar as verdadeiras causas da dor que você chama de inveja. Isto pode ser feito ao mesmo tempo em que sustento meu comportamento (escolha número 1), ou ao mesmo tempo em que interrompo meu comportamento eliciador de inveja (escolha número 2).
 
A terceira escolha é a mais próxima do "ser prestativo", pois não elimina simplesmente a situação causadora da irritação, e tenta, por outro lado, eliminar a causa da dificuldade.
Sinto a menor compaixão possível pelas pessoas que se recusam a assumir responsabilidade por sua própria condição. Se você escolhe culpar o mundo por seus problemas, em geral minha tentativa será criar condições para que mude sua perspectiva. Se você se recusar, minha compaixão diminui.
 
Há dois fatores que impedem que minha compaixão fique a zero. Na medida em que duvido de minha própria teoria, fico do seu lado. Se você se sente intensamente magoado e invejoso, ou se você está muito mal e não assume responsabilidade por estas situações, a parte de minha pessoa que não tem certeza de minhas crenças tratará você do modo tradicional,. com simpatia.
 
E também respondo com compaixão quando reconheço seu medo de considerar a possibilidade de uma escolha pessoal. Para muitas pessoas, essa crença vai exigir uma reinterpretação completa de suas vidas, com a errônea expectativa de que precisarão ser aceitas grandes doses de culpa e auto-recriminações. Na realidade, escolher é simplesmente escolher. Não é nem bom, nem mau, em si.

AJUDAR

Um parente próximo de minha família contraiu uma séria doença do sistema nervoso. Passei com ele um certo tempo, investigando a possibilidade de ele assumir a responsabilidade por tal enfermidade, e sugerindo que essa poderia ser talvez a chave para entender a doença e depois deter seu avanço. Ele preferia não aceitar essa noção, decidindo continuar culpando as pessoas à sua volta por sua negligência e incapacidade. Minhas opções eram rejeitá-lo porque ele se recusava a fazer por si mesmo o que me parecia ser-lhe possível fazer, ou aceitar seu nível de consciência e ajudá-lo a aliviar sua dor nesse nível.
 
Minha decisão foi fazer algumas das coisas que ele sentia serem imediatamente gratificantes neste seu nível de consciência, como ficar um pouco com ele e levá-lo a um acupunturista. No entanto, não reforcei a imagem que tinha de si mesmo como uma vítima desamparada concordando com suas recriminações, nem fiz por ele as coisas que ele era capaz de fazer sozinho.
 
Para ser o mais útil possível nesta situação, agi como retardador. Ofereci-lhe um apoio que naquele momento ele não tinha. Temporariamente, amparei-o, até que ele recuperasse sua integridade.

Este é um modelo para conduzir, ensinar e fazer terapia. Eu, o líder/professor/terapeuta, forneço temporariamente apoio. É sempre temporário e está a serviço da tarefa de levá-Io a assumir sua própria vida.
 
É também um modelo para "ajudar". Você está escolhendo atuar num nível baixo de consciência. Você não está a par do fato de ser quem escolhe todas as coisas. Você não está inteirado de suas opções. Para ser prestativo, escolho criar as condições nas quais você sinta facilidade para tomar consciência daqueles níveis que você reprimiu.
 
Ao ajudar alguém, minha abordagem é configurar a cena e, passo a passo, fazer o mínimo possível para que sua capacidade de conscientização se,fortaleça. Quanto mais eu fizer, menos útil estou sendo; levo em consideração que fazer um pouco mais, às vezes, desencadeia a conscientização.
 
EMPATIA
 
Tenho uma amiga que cortou a mão. Dois sentimentos brotaram dentro de mim. O primeiro: "Você escolheu. Qual a vantagem?
 
Você deve ter querido cortar sua mão". Verdade. Ela quis. Muito provavelmente ela não estava ciente das razões pelas quais isso acontecera. Se estivesse ciente, teria preferido não se machucar. Meu segundo sentimento: "Está doendo. Mesmo que ela o tenha escolhido, agora ela está sentindo dor". Respondi-lhe dando-lhe conselhos, " procurando paliativos, acudindo-a e agindo de modo que, a meu ver, a faria sentir menos dor.
 
Esta é maneira pela qual escolha e cuidados podem se reconciliar. As pessoas escolhem realmente todas as coisas. São responsáveis por si mesmas. Escolhem sentir dor, confundir-se, meter-se em dificuldades, tornar-se infelizes. De modo geral, não se permitem saber que estão escolhendo. O modo como estão num determinado momento indica quanto de percepção consciente há em suas escolhas. Posso optar por dar-Ihes apoio enquanto elas descobrem sua responsabilidade pessoal.
 
Olhando a mão de minha amiga, não me pareceu muito conveniente "ajudar" perguntando-lhe por que havia escolhido cortar a mão. Pareceu-me melhor ajudá-la a diminuir seu incômodo e a criar condições para curar o ferimento. Talvez depois, se ela o desejasse, poderíamos investigar os motivos pelos quais escolhera se cortar, mas não enquanto estivesse doendo.
 
Quanto mais você se permite ser consciente, mais você se comporta como um organismo unificado, consegue que suas ações sejam completas, e sente alegria. A infelicidade vem de sua inconsciência. No entanto, se isto é o que você escolhe agora, posso optar por criar condições nas quais você amenize seu problema atual; ou posso escolher tornar a presente situação tal que você, a meu ver, acabará escolhendo vê-Ia como mais difícil.

Há, porém, momentos em que você deseja compreensão. Há outros em que você simplesmente deseja se acomodar no ponto em que está, sentindo-se bem nesse nível intermediário. "Sei que estou me tornando infeliz, mas me abrace mesmo assim." Tenho a escolha de responder a esse pedido do modo que me parecer mais conveniente.
 
Provavelmente, as relações humanas mais bem-sucedidas são aquelas que funcionam segundo estes parâmetros: se você está infeliz, fico do seu lado e crio condições que você possa desfrutar com facilidade. Conforto, mostro simpatia, apóio. Ao mesmo tempo, depois de você ter recuperado seu equilíbrio, trabalho no sentido de ajudá-lo a escolher o comportamento que não termine em infelicidade.

AUTOCOMPAlXÃO

Os mesmos princípios se aplicam à minha compaixão por mim mesmo. Aceito existirem momentos nos quais não estou consciente dos motivos que me levam a escolher algo e escolho não me esforçar para descobri-los. Ao invés disso, aceito-me como e onde estou e tomo meu estado vigente mais agradável.

Escolher não exige uma investigação exaustiva, compulsiva e incessante de mim mesmo. Posso relaxar, ser dependente, ser irresponsável. Ao longo do tempo, provavelmente descobrirei que, quanto mais eu assumo responsabilidade por minha própria vida, por meio de minhas conscientizações, mais feliz serei. Posso, entretanto, seguir no ritmo que eu escolher.
 
Ao escrever este livro, dei-me uma excelente oportunidade para testar minha autocompaixão e o grau em que acredito nas idéias relativas à escolha. Tive uma doença. Assumi a responsabilidade por ter tornado meu corpo enfermo. Meu conflito foi: dedicar-me-ei a me curar ou vou a um médico e faço com que ele me "cure"? A seguir, relato o que aconteceu, que foi escrito enquanto estava acontecendo.

Estou no auge de uma infecção violenta nos meus olhos. O médico a chama de conjuntividade bilateral. Já a estou tolerando há nove dias, e tem piorado com o tempo; não melhora. Por que estou com isso?
 
Durante anos não fiquei doente. Nada além de alguns resfriados nos últimos cinco ou seis anos. Sem dúvida, nada parecido com isto. Por quê? Tenho mil explicações: sinto-me falso escrevendo todas essas teorias a respeito de doenças num livro para o qual alguém achou que vale a pena adiantar uma boa quantia em dinheiro. Milhares de pessoas são influenciadas por mim. Elas lerão o que eu disser e acreditarão, como provavelmente aconteceu com milhares de outros no passado. E é possível que eu não saiba do que estou falando. Tão raras vezes fiquei doente. Como é que vou saber que não iria correndo ao médico quando realmente ficasse doente? Se eu fosse me testar, poderia realmente controlar minha saúde?

Através do maravilhoso mecanismo desta enfermidade que desenvolvi em mim mesmo, estou propiciando uma situação onde talvez possa encontrar as respostas para estas perguntas. Meu estilo de vida tem sido alternar entre teoria e prática. Neste ponto de minha evolução, a teoria está muito mais adiantada do que a prática. Portanto,conjuntivite.. .
 
Até aqui, os resultados estão misturados. Aparentemente, eu só acredito parcialmente em mim mesmo. Se eu seguisse meus ensinamentos, reagiria à enfermidade (1) jejuando; (2) fazendo exercícios regulares de imagens dirigidas; (3) repousando; (4) deitando-me ao sol; (5) ficando bastante ao ar livre...
 
Ao invés disso, eu como. São poucos os dias ensolarados. Tenho ficado quase o tempo todo na cama. Por fim, fui a um médico, amenizando essa consulta com a intenção de tomar eu mesmo todas as decisões finais...
 
Depois de ficar tropeçando um bom tempo na prática de minhas crenças, comecei a me endireitar. Realizei dois processos para a verdade (imagens), diminuí a alimentação, realmente jejuei um dia, joguei handebol uma vez, e fiquei sentado ao sol. As pastilhas de sulfa que o médico me deu não funcionaram, de modo que tive uma recaída.. .
 
Infelizmente, todos os métodos que tentei também não funcionaram, de modo que mais uma vez voltei ao médico, na esperança de que ele descobrisse o remédio "certo" para que eu recobrasse minha visão. Ele me advertiu que se eu não obedecesse às suas instruções, poderia perder a vista. Este é o fim de minhas crenças.

Devo admitir que não me permiti consciência suficiente para curar este problema, ou, possivelmente, que toda a minha teoria esteja errada, mas só admitirei essa possibilidade se tudo o mais der errado. Agora estou pronto para minha segunda consulta médica...
 
A única coisa que está dando certo é uma solução de sulfa com esteróides que supostamente acelera a recuperação. Continuo tomando o remédio, pois estou melhorando aos poucos. Minha acuidade visual ficou comprometida e é muito desagradável não enxergar bem. Agora estou em Palm Springs descansando ao sol, mas, ai de mim, não estou jejuando. Deitar-me ao sol é exatamente o que preciso fazer, a coisa que eu devia ter feito desde o começo. Sinto que com este tratamento ficarei recuperado. No entanto, observo que não estou parando de tomar as pastilhas...
A luz do sol efetuou maravilhas. Este é o dia em que minha recuperação parece mais evidente. Parei com as pastilhas. Essa doença está me ensinando que eu não acredito completamente que sou capaz de curar a mim mesmo. Sinto também claramente que, se me acontecer outro problema deste tipo, estou pronto para seguir mais fielmente minhas próprias idéias.
 
Eu poderia me menosprezar por não ter agido de acordo com minhas crenças. Isto seria o mesmo que mostrar-me intolerante quando os outros não agem segundo sua responsabilidade pessoal. Acredito que posso me curar, mas não creio nisso ainda por completo; quer dizer, não ajo espontaneamente de uma maneira consistente com essa crença.
 
Tenho autocompaixão, na medida em que aceito minha crença incompleta e em que me dou apoio, enquanto me esforço para alcançar uma crença completa. Ajudo a mim mesmo, uma vez que me mantenho atento a meu objetivo último de ser responsável por mim mesmo. Se, porém, apoiar minha crença incompleta por tempo demais, não estarei mais favorecendo minha própria evolução.
 
MORTE
 
Uma vez que escolho todas as coisas, decorre que escolho minhas enfermidades e minha morte. Toda doença é a reação da pessoa a uma situação presente em sua vida. Toda morte é um suicídio.

Ficar doente tem muitas vantagens. Alivio-me das responsabilidades, recebo mostras de simpatia, sou cuidado, deixam-me descansar, recebo dinheiro de benefícios sociais.
 
Numa perspectiva mais extensa, uma constituição em geral fraca permite-me demonstrar que eu estava certo e que meus pais estavam errados a respeito do modo como me criaram. "Sabe, pais, se vocês tivessem simplesmente me escutado, eu não seria essa ruína ambulante. "

Poucas pessoas têm consciência de sua escolha de como e quando morrer. Os suicídios são uma exceção óbvia, da mesma forma que outros procedimentos suicidas mais sutis.
 
Fiquei estupefato diante do modo como Fritz PerIs, fundador da Gestalt-terapia, antecipou-se à sua morte. Depois de ter realizado seu sonho de vida e de ter criado uma comunidade gestáltica, voltou para a Europa para visitar pessoas e lugares que tinham feito parte do início de sua vida. Depois foi para a Flórida visitar a mulher que amava, e depois para Nova York onde encontrou a esposa. Depois de completadas estas atividades, Fritz foi para Chicago, ficou doente, deixou que os médicos o operassem - prática essa que nunca se tinha ouvido Fritz incluir em sua filosofia de vida - e morreu. Pareceu-me que Fritz dissera adeus às partes mais significativas de sua vida para depois morrer.

Algumas pessoas podem planejar que vão morrer daí a vinte anos, de modo que começam a fumar ou adquirem outros hábitos que acabarão levando-as a isso. O conceito de Análise Transacional (AT), de que as pessoas vivem de acordo com um roteiro, é consistente com a perspectiva que ora exponho. Às vezes, em AT, as pessoas são solicitadas a predizerem quando e como morrerão. As pessoas que subseqüentemente faleceram mostraram-se então extraordinariamente precisas.
 
Se, de fato, todos nós temos um plano para nossa morte, trazê-lo ao nível da percepção consciente nos permitiria decidir voluntariamente, ao invés de decidir sem nos permitirmos saber aquilo que tínhamos planejado.

Meu medo de aviões, acidentes de carro, ou terremotos diminuiu a praticamente zero depois que comecei a me permitir estar cada vez mais consciente. Quando estou num avião, sinto que não estou escolhendo morrer naquele momento e então leio um jornal.
 
Esta atitude não é o mesmo que negação, ou seja, não pensar a respeito. E não é o mesmo que tentar tirar isso de minha cabeça. Para mim, negar é compactuar com a inconsciência. Prefiro alimentar a possibilidade, no caso de eu eventualmente morrer num avião, de decidir contrariamente a isto. Assim que essa decisão estiver tomada, presumindo que tenho plena consciência da mesma, não preciso tomá-la novamente a cada vôo. Mas efetivamente, de tempos em tempos, dou uma verificada para ver se não há novas decisões que sorrateiramente tenham se insinuado, à revelia de minha percepção.

A sensação de culpa pela morte de uma outra pessoa fica em grande medida aliviada, quando aceito a idéia da escolha. Se as pessoas morrem porque escolhem fazê-lo assim, a sensação de culpa pela morte de alguém é um sentimento bastante irrelevante. Sentir-me responsável pela morte de outro ser torna-se um ato de arrogância desorientada. Além de não causar a morte em questão, tampouco sou capaz de provocar mortes.
 
Ter a clareza de que cada um decide pela enfermidade e pela morte elimina seu poder de manipulação sobre terceiros. Só me permito ser manipulado por alguém que esteja doente ou com risco de vida, se acreditar que tenho alguma responsabilidade pela enfermidade ou morte dessa pessoa. Tudo o que posso fazer é criar condições para que as pessoas escolham sentir facilidade em adoecer ou em morrer. Elas escolhem. Assim que aceito isso, fico livre para escolher não ser manipulado.
 
Minha culpa tem, em sua base, seja eu consciente ou não disso, o desejo de que o outro morra ou adoeça, e não de que permaneça como está. Posso então consentir com as partes inconscientes dele, que lhe facilitam tornar-se doente, de uma maneira que não aconteceria se ele tivesse plena consciência. Minha culpa é por perceber meu desejo, distinta ou indistintamente, e não pela enfermidade alheia.
 
CULPABILIDADE

Se procuro um comerciante, assino um contrato, sou roubado, de quem é a culpa? Se um vendedor me diz que vai fazer uma coisa e faz outra, de quem é a culpa?
 
Ambos são culpados. Escolho ser tratado como me tratam e você escolhe tratar-me como quer. Se nossa interação é um acordo mútuo, então qual é a razão de se punir ou atribuir culpa?
 
Se ambos estivermos completamente conscientes, não haverá necessidade de leis. Todos os atos são acordos entre seres humanos que consentem neles. As leis, ou a atribuição das culpas aparecem porque não temos plena consciência. Como mencionei antes, as leis existem, em parte, para me proteger de mim mesmo. Existem para aquelas situações nas quais faço alguma coisa sem plena consciência e que, se eu a tivesse, não teria feito.
 
Por exemplo: conscientemente, quero um bom carro, mas inconscientemente quero que se aproveitem de mim para que sintam simpatia a meu respeito e me dêem apoio. O negociante quer ganhar mais dinheiro. Ele compactua com a minha inconsciência. Ele faz isso mentindo. Sou levado pela mentira porque realmente quero que ele minta para mim, assim como Wendy queria que lhe dissessem que não falasse nada a respeito. Minha falta de consciência é revelada ao negociante.
 
Quando estou sendo julgado, uma das funções do júri é confrontar minha objeção consciente ao crime com meus desejos inconscientes de consentir com ele. O júri decide se meu desejo inconsciente seria o mesmo, caso eu o tivesse a nível consciente, ou se meu desejo inconsciente teria sido diferente, quando conscientizado.
 
Assumamos que, inconscientemente, Patty Hearst queria ser raptada e participar das atividades do ELS (SLA), talvez para expressar sua revolta em relação à família. A questão legal pode ser vazada nos seguintes termos: se ela 'pudesse ter-se permitido tomar consciência desse desejo, teria ela ainda escolhido agir como fez, ou teria mudado sua forma de ver? Se o júri decidisse que, conscientemente, ela teria escolhido a mesma coisa, então esse rapto não teria sido crime algum, pois, como adultos - Patty Hearst e ELS (SLA) -, estavam simplesmente de acordo e fizeram aquilo que queriam fazer na ocasião.
 
Patty Hearst seria maximamente culpada se sua inconsciência, quando conscientizada, ainda a fizesse revoltar-se por meio de sua cooperação com o tal movimento. Seria menos culpada se, depois de tomar consciência, decidisse não cooperar com aquelas pessoas. Eis o paradoxo.
 
Suponhamos que, na verdade, Patty queria se revoltar; ela permitiu que o grupo terrorista soubesse que estava disponível para ser usada por ele, que ficou encantada com a história do rapto e muito satisfeita de ter tido a chance marginal de viver como revolucionária. Esses foram seus principais sentimentos, mas assumamos que ela também teve alguns conflitos.
 
Se ela tivesse agido com plena consciência, um júri a teria, praticamente sem sombra de dúvida, enviado para a cadeia. Se ela se permitisse tomar consciência apenas daquela sua parte que não queria cooperar com os terroristas, ela teria tido uma boa chance de ser isentada de toda culpa, de ser inocentada. O paradoxo está em que a lei recompensa a falta de consciência.
 
ESPONTANEIDADE
 
Minha ex-esposa e eu estávamos fazendo trabalho de grupo na Austrália já há seis semanas. Durante certo tempo foi gostoso trabalhar juntos. Então comecei a me perceber crítico em relação a ela, em virtude dos crimes hediondos que vinha cometendo, como não rir consistentemente de minhas piadas, ou apertar o tubo de pasta de dente no meio. Certa manhã acordei primeiro. Estava muito zangado e pronto para dizer-lhe exatamente como estava me sentindo, uma boa, saudável e completa manifestação de sentimentos, certo?
 
Uma voz saltou dentro de minha cabeça: - Por que você está escolhendo ficar com raiva?
 
- Cala a boca - respondi. - Estou manifestando meu sentimento. Ela devia mais é ouvir, para seu próprio bem.
 
- Mas você sabe que a raiva é uma decisão sua. Por que prefere ficar com raiva?

- Não seja ridículo. Minha raiva é um sentimento espontâneo. Você não está querendo me dizer que até a espontaneidade é escolha minha?

Enquanto tudo isso se desenrolava, ela dormia. Outro crime. Então comecei a ruminar. Talvez minha raiva espontânea fosse minha escolha. Ao pensar mais nisso, a verdade desse paradoxo tornou-se evidente. A única coisa que faltava para reconciliar a aparente contradição entre escolha e espontaneidade era o fator tempo.
 
Em algum momento do passado, eu tinha aparentemente decidido que sempre que alguém apertasse um tubo de pasta de dente no meio ou cometesse um outro delito de mesma gravidade, eu poderia atribuir-lhe culpa, desestimulá-lo a repetir o ato, evocar simpatia, ou ficar com raiva. Essa decisão foi levada a meu computador, quer dizer, a meu sistema nervoso, e daí em diante eu comecei a reagir com raiva sempre que essas ofensas eram cometidas. Em outras palavras, tinha decidido qual seria meu sentimento espontâneo em ocasiões futuras.
 
Optei por minha espontaneidade.
 
Se me permito aprender como reconsiderar minhas decisões originais, posso mudá-las. As técnicas pró-potencial humano oferecem uma vasta variedade de métodos para o resgate das decisões originais: imagens, psicodrama, Gestalt, bioenergética, processamento da verdade, renas cimento e até psicanálise. Os métodos propostos interferem no que parecem ser comportamentos espontâneos.
 
CONTROLE LOCAL
 
O conceito de escolha tem implicações para a relação entre as tomadas de decisão de um indivíduo e as intervenções de fora. Quando unidades individuais, como pessoas ou grupos, passam a se relacionar umas com as outras, geralmente forma-se uma estrutura para regular essa relação. O princípio da escolha esclarece, em parte, a natureza dessa estrutura.
 
As pequenas unidades comandam as grandes unidades com eficiência, somente se há a cooperação destas.

Dirigi um grupo de encontro com um ano de duração, para guardas penitenciários de uma grande instituição penal na Califórnia. Depois de termos chegado a nos conhecer bem, os guardas confiaram em mim. Um de seus segredos era que não havia meios de poderem controlar a prisão sem a assistência dos presidiários. Os grupos pequenos de guardas, mesmo quando respaldados pela autoridade, armas e experiência, não bastavam para equilibrar a força do grupo muito maior dos detentos, caso estes últimos escolhessem se rebelar e resistir. Posteriormente, um detento com longa pena a cumprir ampliou mais ainda este aspecto. Alegava que a cadeia podia funcionar por uma única razão: a existência de inocentes entre os presos, de pessoas injustamente condenadas, que constituíam o elemento de estabilidade necessária.
 
Valem os mesmos comentários para a cura física. Não há meios de o médico agir com êxito a nível corporal, sem que haja a cooperação do corpo. O melhor que o médico pode fazer é entrar em harmonia com o corpo e apoiar seus processos de cura e, ocasionalmente, retardar seu processo de autodestruição ou danificação, até que tenha chegado o momento de o corpo ativar seus processos de restabelecimento, como, por exemplo, quando um corpo é esmagado num acidente automobilístico. Neste caso, o paciente em geral não tem consciência corporal suficiente para efetuar uma completa recuperação de sua integridade, sem auxílio médico. A cirurgia pode fazer os reparos necessários e os medicamentos podem retardar infecções, enquanto o paciente ganha o tempo necessário para que os processos naturais de cura possam se desenrolar.
 
A abordagem atual da Medicina holística incorpora este aspecto à sua filosofia de tratamento. O atendimento hospitalar é dividido em três partes: cuidados com o corpo, transição, integração do paciente. Na primeira fase, eu, enquanto paciente, escolho abrir mão de grande parte de minha autonomia e permitir que você, médico, me conduza. Autorizo-o a utilizar sua informação especializada para fazer-me passar pela crise imediata que não me sinto em condições de enfrentar por mim mesmo. Numa segunda fase, vou recuperando gradualmente a responsabilidade por meu próprio programa de recuperação e uso meu corpo/mente para curar-me. Na terceira fase, o foco incide num trabalho de compreender, através de um exame dos porquês e dos comos, essa enfermidade que me deixei contrair e a minha própria cura. O auxílio de fora é empregado como primeiro modo de atendimento, somente até o momento em que passo a me mobilizar para promover a minha cura.

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