Empresas Não. Mestres em Talento.
HSM Management

Número 81 - Julho/Agosto 2010

Ano 14 – Volume 4


 

Master of the universe foi uma expressão que ficou famosa por seu aspecto mais sombrio. Utilizada no final dos anos 1987 pelo escritor norte-americano Tom Wolfe no livro A Fogueira das Vaidades, "senhor do universo" descrevia os ambiciosos, inescrupulosos e egocêntricos homens de negócios de Wall Street e teve particular repercussão - e ressonância - na década de 1980. Talent master,expressão do consultor e coach de CEOs Ram Charan, "pai" da execução, não tem nada que ver com Tom Wolfe felizmente, apesar de "talento" e "ego" serem conceitos que se sobrepõem na percepção de alguns. Para Charan, "mestre em talento", ou "senhora do talento", é a empresa que já compreendeu o único diferencial competitivo verdadeiramente possível nos negócios: profissionais talentosos.

Se é um pensamento elitista? Não para um indiano de mais de 70 anos que entende como sua missão na vida ajudar os gestores a resolver seus problemas. Segundo Charan, todo mundo tem algum talento - apenas é preciso descobri-lo, aplicá-lo na tarefa certa e amplificá-lo. No século 21, mais do que nunca, esse é o grande desafio das organizações. Sempre foi um desafio relevante, aliás, mas a diferença ago­ra é que seu enfrentamento se tornou inadiável, dada a complexidade do ambiente de negócios. 

Em entrevista exclusiva a José Salibi Neto, chief knowledge officer da HSM do Brasil, Ram Charan discorre sobre a fórmula 70-20-10 para as empresas desenvolverem seus pro­fissionais e sua importância sobretudo para os países emergentes, conta o que aprendeu sobre a essência do talento com os talentosos CEOs que assessora, reforça a validade dos fundamentos da gestão - "mais do que nunca" - e aborda a função dos boards - tanto os sounding boards dos CEOs como os boards of directors corporativos - e como ela pode ser executada com mais eficácia. Charan lançará seu livro Talent Mas­ter em outubro de 2010 nos EUA. 

Nos últimos anos, você teve muito sucesso expondo uma das maiores fragilidades corporativas destes tempos: a baixa capacidade de executar estratégias. Mas o cenário parece ter se modificado, e para melhor, até por conta de seu esforço. A seu ver, execução continua sendo o problema de gestão número um ou há novos pontos vulneráveis em pauta?

Acredito que o desafio-chave atual no mundo da gestão está relacionado com a escassez de talentos, e o livro que acabo de escrever trata justamente disso.

O desafio é especialmente grande em mercados emergentes, que vêm crescendo muito e sendo as grandes estrelas deste mundo reconfigurado. Índia, China, Indonésia, Brasil crescerão em torno de 6% e 8%, e estou falando de um crescimento que será real, pois ocorrerá na economia central desses países, embora tenda a trazer inflação. 

A palavra "inflação" provoca arre­pios nos brasileiros com mais de 30 anos de idade... Mas nosso tema é outro: o que é o mundo reconfigurado onde essas empresas atuarão? A re­configuração já não está acabando? 

Não, a reconfiguração está só começando. A arquitetura econômica mudará de maneira muito drástica ainda. E é algo natural: o mundo se reconfigura de tempos em tempos. 

No século 19, os ingleses tinham tecnologia, os norte-americanos a compraram, usando dinheiro britânico para isso, e construíram os Estados Unidos. Agora, começando em 1979 e até provavelmente 2029, o que totaliza 50 anos, a reconfiguração acontece novamente, com muito dinheiro indo para construir a China como foi antes para construir os Estados Unidos. 

Qual é a novidade deste mundo reconfigurado? Verifica-se uma distinção muito clara entre os países com poder: há o grupo que tradicionalmente era dominante - Estados Unidos, Europa, Japão e talvez algumas porções, não completamente, da Austrália e do Canadá; há os países ricos em recursos naturais - Oriente Médio, porções da África do Sul, Brasil, partes da África, potências diferentes em um mundo diferente; e há os países de grande população, como China, Índia, Brasil e Rússia, onde todas as empresas vão querer estar para se posicionar e obter vantagens. É uma transformação gigantesca. 

O Brasil em dois dos três grupos poderosos... Sua tese é de que não temos talentos suficientes para dar conta desse novo poder? 

Exato. Especialmente os países de poder emergente precisam identificar os talentos que existem na sociedade, como diamantes brutos, e desenvolvê-Ios. Proponho para isso minha regra dos 70 - 20 -10, que significa 70% da experiência de desenvolvimento dos funcionários deve ser destinada à preparação on - the - job (no trabalho), 20% em sala de aula ou equivalente, e 10% cabem ao próprio profissional, que deve encontrar seu modo de acelerar o aprendizado. 

Isso é uma mudança de mentalidade significativa. Nos últimos cem anos, as empresas se dedicaram muito a aperfeiçoar seus sistemas de relatórios e suas análises financeiras, mas não investiram tempo e energia suficientes nos sistemas de pessoas. Aí se chegou à conclusão de que é melhor gastar mais tempo com as pessoas, porque são elas que entregam números, do que com números, que não entregam pessoas, e as organizações precisam adotar o novo paradigma. 

Mas isso não é muito caro para empresas das quais se espera uma eficiência de custos cada vez maior? 

Os 70% de desenvolvimento on - the - job de cada profissional não requerem tanto dinheiro assim - na verdade, o investimento fica perto de zero, porque demanda apenas o comprometimento de pessoas que treinam as outras pessoas, e o tempo ganho lá na frente compensa facilmente o tempo despendido. São os 20% de desenvolvimento em sala de aula que saem mais caro, além de oferecerem maior risco: afinal, os 20% não serão eficazes, nem suficientes, se os 70% de custos mais baixos não produzirem bons resultados. 

Daí que a lógica operacional das empresas precisa ser mudada. Os programas de trainees, feedback, coaching, seleção, avaliação etc. são extremamente importantes, cada vez mais. É onde se faz a diferença. As empresas têm de se tornar mestres em talento, capazes de identificar talentos brutos na escola, trazê-los para a empresa e fazê-los praticar, praticar, praticar. 

Entre as empresas atuais, quais são as mais notáveis mestres em talento? 

As melhores nisso são General Electric, Procter & Gamble, JJ (Johnson & John­son), Novartis e Unilever, na minha opinião. São cinco grandes provedoras de talentos do mundo, muito boas nisso. E todas elas, na prática, aplicam essa fórmula de que falei: 70% do esforço de treinamento é on - the - job, apoiado pelos 20% em salas de aula. 

Sua principal característica é que elas são realmente focadas em seu desenvolvimento de pessoal. Constroem sistemas próprios, vão atrás das ideias. Fazem as pessoas crescer no trabalho. 

No mundo inteiro, não apenas nos países emergentes, as empresas enfrentam níveis de turnover incomparavelmente mais altos hoje do que no passado. Qual é a consequência disso para o desenvolvimento interno de talentos a que você se refere? 

Uma empresa que seja mestre em talento não tem, por definição, um turnover elevado demais. Se um profissional talentoso fica apenas dois ou três anos em uma companhia, por exemplo, pode significar que ela é um repelente de talentos. Mas alguma rotatividade é bem-vinda, por sua vez. Desde que não haja eliminações descabidas, uma porção de pessoas saindo é fato positivo. No livro que venho escrevendo sobre o tema, para o qual tenho estudado bastante, falo de um caso em que houve a saída repentina de um gerente e, para substituí-lo, a empresa fez cinco promoções em 24 horas, gerando uma energia totalmente nova dentro da organização. 

Nas empresas mestres em talento, antes que a pessoa talentosa pense em sair, ela é desafiada. Com desafios e a possibilidade de crescimento pessoal, a probabilidade maior é que ela não saia. As mestres em talento sabem que precisa haver movimento interno a fim de que se crie espaço para o talento emergente. Se uma pessoa cumpre a mesmíssima função há cinco ou seis anos, ela própria fica estagnada e atrapalha todo o sistema. 

Quero enfatizar mais uma coisa: nas empresas que são talent masters, são fundamentais líderes que sejam talent masters, a começar pelos presidentes. 

Como um CEO deve desenvolver talentos no dia a dia? O que tem de fazer? 

A regra de ouro é ele dedicar 40% de seu tempo a desenvolver talentos. Ainda é muito raro ver algum CEO fazer isso nos dias de hoje, infelizmente, e por isso estou escrevendo um livro inteiro de alerta para o assunto. O CEO que tiver essa dedicação pessoal ao talent mastering é o que fará a mais eficaz das execuções. E líderes de outros níveis hierárquicos devem dar essa prioridade a pessoas também. 

Como dar essa prioridade, passo a passo, além de lhe dedicar mais tempo? 

Nós pesquisamos muitas companhias nos Estados Unidos, na Coreia do Sul e na Índia para encontrar essa resposta, para saber quais as ideias e práticas que as diferenciam em talentos. Posso resumir nossos achados em seis: 

 

  1. Os líderes seniores despendem mui­to mais tempo e recursos para conhecer e desenvolver seus talentos.

  1. Eles não delegam o desenvolvimento a outros departamentos ou técnicos. 3. Eles reconhecem os talentos e se comprometem em desenvolvê-los rapidamente.

  1. Eles reconhecem os talentos e se comprometem em desenvolvê-los rapidamente.

  1. Eles se ocupam em dar muitos feed­backs a seus profissionais talentosos.

  1. Eles dão muito mais atenção, de verdade, à ideia de que pessoas vêm antes de estratégia.

 

Como um dos primeiros consultores da história a se tornar coach de CEOs, você é um mestre em talento no último degrau da escada, estou certo? Trabalhou com vários CEOs e sei que você não gosta de citar nomes, mas Jack Welch foi um deles. Como você chegou aí e quais são seus fatores de sucesso? 

Em primeiro lugar, eu diria que ensinar está relacionado com meus valores familiares, que têm que ver com tornar os outros melhores. Eu fazia isso na universidade com meus alunos e agora faço nas empresas com seus presidentes. 

A interação com os CEOs propriamente dita começou na Austrália, mas tratava-se disso, interação, não de coaching. Eu me graduei em engenharia na Índia e logo fui trabalhar na Austrália; depois fui para o Havaí. Na Austrália, trabalhei diretamente para um CEO por 16 semanas e, mesmo jovem, sei que fui capaz de fazer diferença lá. Eles evoluíram a partir desse trabalho, chamaram-me a atenção para meu talento e enveredei por esse caminho. 

Como se faz coachingde CEOs? 

Coaching não é a melhor palavra para descrever o que faço; eu ajudo CEOs. Eles gostam de saber de novas ideias e das melhores práticas que existem por aí; transmito isso e os ajudo a solucionar seus problemas. Outro aspecto importante de meu trabalho é antecipar as questões que chegarão a eles. 

Se fosse para dar uma fórmula, embora ela não exista de fato, eu diria que faço quatro perguntas como ponto de partida: 

Por outro lado, também aprendo muito com os CEOs. Fico entendendo como pensam, como chegam ao objetivo em meio à confusão, como institucionalizam certos sistemas, como administram seu tempo, o que focam. 

Ou seja, se quiser seguir seu exemplo, o mestre em talento deve usar essas mesmas perguntas como ponto de partida, além de ter a disposição tanto para aprender como para ensinar... 

Eu diria que sim. 

Quais são as principais características de um CEO eficaz, em sua opinião?  

Cada um é diferente do outro, mas há traços comuns aos presidentes mais bem-sucedidos: 

 Você administra bem seu tempo? 

Acho que sim. Mas não constituí família, o que facilita um pouco; são menos escolhas a fazer. Vivo para meu trabalho. 

E a ansiedade? 

Posso dizer que ela é crescentemente generalizada; eu a venho estudando para meu novo livro. 

Só para encerrar a questão do desenvolvimento de talentos, quero fazer uma pergunta referente aos 20% do esforço que deve ser dirigido à sala de aula. O que o sr. pensa sobre a atual educação em gestão nos cursos de graduação e MBAs? 

Penso que, se você quiser ter os melhores, a maior porção dependerá do indivíduo, muito mais do que da escola. O fato é que, se o indivíduo quer acelerar seu aprendizado hoje, ele consegue, porque a maioria das escolas tem recursos diversos e pode proporcionar isso. As ferramentas que elas hoje têm podem realmente ajudar. 

O que as escolas não podem fazer, contudo, é criar líderes. Por isso, as empresas mestres em talento têm de selecionar pessoas que mostrem potencial para liderança num primeiro momento. Das escolas deve-se esperar que façam aquilo a que se destinam. 

Mas algumas escolas estão tentando ensinar liderança. É bobagem? 

Elas não podem ensinar as questões de liderança para quem não a tenha vivenciado. A menos que haja um currículo diferente, que permita vivenciar a liderança e observar pessoas atuando como líderes. O ensino de liderança por meio de livros acelera o desenvolvimento de líderes, mas não a liderança em si. 

Um de seus últimos livros é Liderança na Era da Turbulência Econômica. No tempo de incerteza, como se mantém o foco de que você falou há pouco? 

Em tempos incertos, o que mais impor­ta é o líder ser capaz de dizer às pessoas: "Há incerteza e este é meu ponto de vista como líder"; pode não ser correto, mas é a melhor aposta que tenho. 

Em segundo lugar, o líder precisa estar realmente ancorado, para conseguir somar inteligência - leia-se informação - à ação que se desenrola. 

O terceiro aspecto é preparar as pessoas a sua volta para pensar em caminhos alternativos conforme a crise continuar a se desenvolver.

Mas nada disso funciona se não houver confiança e fé no líder, ou seja, se o líder não tiver credibilidade. O lado emocional fundamenta a coragem para enfrentar a adversidade, o que vale muito a pena, porque, como é amplamente sabido, fraquezas podem ser convertidas em oportunidades. 

A neurociência já nos mostrou que, quando as pessoas trabalham juntas e a confiança está lá, ela tem efeito curativo sobre o cérebro, o que gera mais coragem para enfrentar adversidades. 

Credibilidade e, a causadora dela, integridade são os dois traços realmente essenciais a um líder, porque são os geradores de confiança. O resto é variável. 

Às vezes o trabalho do CEO pode ser muito solitário. O que um presidente pode fazer para não ficar só? 

Ele precisa ter pelo menos uma "caixa de ressonância" (sounding board) que seja sincera. Não precisa ser umcoach; é um individuo - funcionário, alguém de fora, um membro do conselho de administração - com quem o líder possa testar uma ideia sem ter de se preocupar com confidencialidade. 

Um coach de linha comportamental pode ajudar o CEO a obter feedback e a aperfeiçoar seus comportamentos e sistemas, mas, hoje em dia, o tema­chave é a complexidade, a ambiguidade. Como minimizá-lo? Com a caixa de ressonância para ver com mais olhos. 

Você já escreveu três livros sobre conselhos de administração e seus papéis, Boards at Work, Boards that Deliver e o recente Owning Up. Você acha que basta a uma empresa ter um board tradicional ou um conselho consultivo também é bem-vindo? 

Toda empresa deve ter um conselho que tenha sido construído da maneira correta; no caso da empresa de capital aberto, será necessariamente um conselho de administração e, na companhia fechada, pode ser um conselho consultivo. Os CEOs têm de investir seu tempo pessoal para lidar com o conselho, mas faço um alerta: se o conselho está tomando uma enormidade de seu tempo, roubando horas e dias que de­veriam ser destinados a gerir o negócio, então ele precisa ser corrigido. 

Muitas empresas brasileiras andam descobrindo o desafio do conselho agora. Qual é a formação correta de um conselho?

Deve-se atingir um equilíbrio entre pessoas com experiência no comando de empresas; pessoas íntegras que sejam muito articuladas e, portanto, capazes de persuadir seus colegas; e bons ouvintes, em condições de se controlar, porque sabem que não estão liderando aquela empresa e que não lhes cabe fazer microgerenciamento. 

Falamos dos principais problemas das organizações atuais com o talento, a ansiedade e a liderança em momentos incertos. Está tudo mudando? 

Nada mudou de fato; não há nada essencialmente novo no front dos negócios. Por isso, quanto mais você sobe em uma organização, maior é a necessidade de compreender os fundamentos. E você não consegue entender a ambiguidade se não conhecer o básico. É aí que as coisas costumam desabar, por sinal. Isso eu aprendi com os CEOs mais bem-sucedidos do planeta. Eles reduzem toda a complexidade ao básico e, então, sabem como navegá -lo. Meus pensadores favoritos são os que tratam dos fundamentos, como Peter Drucker, C.K. Prahalad, Gary Hamel, Tom Peters, Michael Porter...

 

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Execução: Nada Novo, Tudo Imprescindível

Na pesquisa CEO Challenge 2010, feita com 444 presidentes-executivos de todas as regiões do mundo por The Conference Board, os três primeiros temas de preocupação dos entrevistados estiveram relacionados com execução. No Fórum HSM de Gestão e Liderança 2010, ocorrido em abril último, Ram Charan observou que os fundamentos são cada vez mais importantes. Por isso fez uma lista com as seis regras da execução eficaz, que "não representam nada de novo, mas são todas imprescindíveis" aos gestores:            .

1.Antecipar mudanças.

2.Conhecer a fundo a própria empresa.

3.Conhecer a fundo o setor em que atua.

4.Conhecer bem as pessoas, para saber motivá-las e desenvolvê-las. É o talent mastering. Sua orientação é concentrar-se no talento bruto das pessoas, separar só suas qualidades, encontrar aquilo que cada uma nasceu para fazer.

5.Ser preciso ao determinar prioridades com relação aos negócios.

6.Cultivar hábitos profissionais saudáveis, como a necessidade de avaliações trimestrais, a busca do foco, disciplina e clareza sobre tarefas e objetivos. "Converse com todos, olhe nos olhos, de­fina quem vai fazer o que e quando, crie responsabilidades", costuma traduzir o consultor. 

Charan enfatiza que a competência número 4 adquire importância primordial no cenário competitivo do século 21.



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