Espécie em extinção

Por Thomaz Wood Jr.

 

Na vida privada, como na vida corporativa, os adultos estão desaparecendo.

No mundo da onipresente auto-ajuda, homens e mulheres foram condenados à infância perpétua.

 

Empresa de reputação bem razoável, em fase de expansão, com proposta decente de trabalho, busca desesperadamente profissional que tome decisões com um mínimo de análise e bom senso; que não reclame todos os dias dos problemas da empresa; que não fique observando imóvel os negócios afundarem sem fazer nada a respeito; que saiba controlar o próprio ego e ouvir seus colegas; que tenha algum conhecimento das coisas do mundo e não restrinja suas leituras a livros de auto-ajuda, Caras e Veja; que não leve Stephen Covey e Jim Collins a sério; que entenda suas responsabilidades (e não fuja delas); que saiba separar assuntos importantes de minúcias e irrelevâncias; que não passe a maior parte do tempo em reuniões ou montando conchavos políticos; que saiba controlar seu tempo e definir prioridades; que não reaja histérico a dificuldades, e, principalmente, que não fique sentado esperando o chefe dar ordens. Em suma, busca-se... um adulto.

 

Que este escriba saiba, nenhuma empresa iniciou um processo seletivo nesses termos. Porém, o conteúdo expressa com razoável veracidade o que muitas organizações estão procurando e não encontram. Conclusão: faltam adultos no mercado de trabalho.

 

Naturalmente, o fenômeno não se restringe ao mundinho corporativo. Notem, prezados leitores, a quantidade de homens e mulheres de meia-idade, vestidos como adolescentes, comportando-se como adolescentes, falando como adolescentes e pensando como adolescentes. Aliás, adolescentes mal informados e mal-educados.

 

Explicações para o fenômeno? Michael Bywater, autor de Big Babie -: Or: Why

Can't We Just Grow Up? (Granta Books, 2006), tem uma. Pode não ter profundidade sociológica, antropológica ou psicológica. Também não é fundamentalmente nova, mas com certeza é provocativa e divertida. Para o autor, nós todos somos vítimas de uma conspiração. Isso mesmo, uma megaconspiração mundial que visa a nos infantilizar, nos manter como bebês crescidos. O foco é a conformação de nossos comportamentos, preferências, opiniões, pensamentos, hábitos, filosofias e sensibilidade política. Estamos sendo adestrados sobre que estilo de vida adotar, do que gostar e como agir.

 

Bywater lista uma série de pressupostos que os conspiradores assumem sobre nós. Alguns exemplos (nada lisonjeiros): não conseguimos controlar nossos desejos, não sabemos adiar o prazer (queremos tudo já), temos uma percepção deformada sobre nós mesmos, não temos vida interior, não temos capacidade para exercer a autonomia com responsabilidade, necessitamos de constante supervisão e não temos capacidade para tomar decisões maduras.

 

A vida interior dos bebês crescidos é um simulacro, preenchido por vozes da mídia, de especialistas e de outras supostas autoridades. Para manter o simulacro vivo, os bebês crescidos precisam de ajuda externa, e não há  escassez de oferta no mercado de auto-ajuda. O resultado é um ciclo auto-alimentado. Diz o autor: precisamos de distrações de nossa vida fragmentada e solitária porque as distrações disponíveis tornam nossas vidas fragmentadas e solitárias.

 

Na vida privada, consultamos especialistas em forma física, saúde e beleza porque somos bombardeados por esses mesmos especialistas, com suas revistas, livros e palestras. Na vida corporativa, adotamos modas gerenciais e receitas de sete pontos porque somos bombardeados por gurus e revistas de negócios. Ao adotar supostas soluções mágicas, fugimos de nossa responsabilidade de resolver nossos problemas. Terceirizamos nossas atribuições para consultores e subcontratados e, com elas, entregamos nossa autonomia. Com isso, perdemos a capacidade de avaliar as situações, fazer escolhas e tomar decisões.

 

Pedro F. Bendassolli e Maurício C. Serafim, da FGV-EAESP, em um artigo sobre o mesmo tema publicado na revista GV-Executivo, observam que as empresas estão realizando enormes esforços para cooptar, agradar e tutelar seus funcionários, tratando-os como bebês crescidos e propondo, como retribuição, compromissos de lealdade, dedicação e amor.

 

Os autores lembram que Freud, em um de seus livros sobre a origem da civilização, afirmava que seu marco zero era "a morte do pai". Tornamo-nos adultos quando superamos os modelos idealizados de autoridade e conquistamos autonomia. Bywater é nostálgico. Bendassolli e Serafim são céticos. Correm os adultos risco de extinção? Eles já se tornaram minoria.

 

Talvez algum futuro plano para salvar o planeta os classifique como espécie em perigo e decida protegê-los. Tal medida, esta sim, seria o golpe de misericórdia que os liquidaria em definitivo.

 

Portanto , às trincheiras!

 

 

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