É Hora de Quebrar as Nozes

HSM Management 55 março-abril 2006

 

Em entrevista, o especialista em estratégia Adrian Slywotzky, uma das principais autoridades em crescimento, ensina como sair da “zona de não-crescimento”, que compara à casca das nozes, utilizando bem a inovação de demanda.

 

Não é raro que, para cada real que uma empresa recebe de um cliente, este gaste entre 8 e 15 reais no processo de compra, no uso e na aplicação do produto. Por isso, é hora de os fornecedores aprenderem a perguntar: como podemos facilitar a vida do cliente para ele gastar menos tempo e dinheiro procurando nossos produtos, avaliando-os, comprando-os e usando-os?

 

Adrian Slywotzky, um dos maiores especialistas mundiais em estratégia, defende que as empresas parem de se concentrar na funcionalidade de seus produtos (e serviços) e focalizem a conveniência dos clientes, ao ajudá-Ios a economizar tempo e dinheiro, praticando assim a chamada "inovação de demanda". Essa é, segundo o especialista, a melhor maneira de quebrar a casca da noz, ou seja, de sair da zona de não-crescimento em que muitas empresas se encontram atualmente.

 

Nesta entrevista, Slywotzky explica o que é essa zona -"um mercado que combina uma reduzida inovação de produtos e a saturação da funcionalidade, levando a taxas de crescimento de 1 % ou 2% ao ano"- e descreve as capacidades-chave para escapar dela. Também analisa fenômenos como os da China e da Índia e mostra-se otimista quanto à habilidade de empresas de qualquer setor de atividade de dar a volta por cima quando "a música parar".

 

O que é "zona de não-crescimento”, que o Sr. definiu, e por que tantas empresas hoje se encontram "empacadas" nela?

 

É como uma casca de noz. Trata-se de um mercado que combina uma reduzida inovação de produtos e a saturação da funcionalidade, levando ao declínio das taxas de crescimento. Ao longo do tempo, taxas que costumavam ficar entre 8% e 15% ao ano caem até 1 % ou 2% ao ano.

 

Nesse ponto, chega-se ao topo da famosa "curva em S". O negócio pode até ser lucrativo, mas ano após ano registra-se um crescimento do faturamento da ordem de I % ou2%.

 

As empresas ficam estacionadas nessa zona por conta do ótimo trabalho que fizeram ao atender, com seus produtos, às necessidades de funcionalidade dos consumidores.

 

Também porque, em muitos setores de atividade, o fluxo de novos produtos é apenas uma fração do que costumava ser.

 

Por exemplo: no setor químico, durante os anos 30 e 40, importantes inovações de produto aconteciam a uma taxa de 20% por década; hoje não passa de 1 % por década.

 

O Sr. defende a "inovação de demanda". A que se refere exatamente?

 

É olhar o mercado não somente pelas lentes de seu produto ou serviço, mas também pelas lentes da equação econômica total do cliente. É aprender a perguntar: "Quanto meu cliente tem de pagar para procurar meu produto, avaliá-lo, comprá-lo e usá-lo?". Não é raro descobrir que, para cada dólar que você recebe de um cliente, este gasta entre 8 e 15 dólares no processo de compra, no uso e na aplicação do produto.

 

A inovação de demanda reconhece que o cliente precisa de muito mais do que apenas funcionalidade do produto. Trata-se de perguntar: "Como nós, fornecedores, podemos ajudar nosso cliente a reduzir seus custos, sua utilização de capital, seus ciclos de vida, e aumentar seus ganhos?”.

 

No entanto, antes de você poder responder a qualquer uma dessas questões, é preciso obter nota 10 com louvor no que é básico quando se trata do produto, do serviço ou da funcionalidade que você oferece. A demanda de inovação faz com que seja ainda mais importante ter excelência operacional em seu negócio-base. Se você já alcançou tal excelência, então faz por merecer o direito de fazer aquelas perguntas adicionais.

 

Outra característica da inovação de demanda é que ela requer que a empresa leve o diálogo com o cliente além da pessoa responsável pelas compras. Deve envolver os engenheiros, os projetistas, os gerentes de fábrica e os tomadores de decisão da organização de seu cliente.

 

Por que o surgimento de produtos verdadeiramente inovadores e diferentes está se tornando tão raro?

 

Especialmente em setores de alimentação e de tecnologia, o que se vê é a proliferação de artigos de tirar o fôlego, com centenas de variações de um mesmo produto. Algumas dessas variações fazem sentido, mas muitas delas não, servem apenas para irritar o consumidor, oferecendo excesso de opções sem importância, que entopem o ponto-de-venda e aumentam o nível de complexidade no momento de compra.

 

Falamos da importância de primeiro fazer um bom trabalho no atendimento das necessidades de funcionalidade de seu cliente. Se você ainda não conseguiu isso, esse deve ser seu foco; Se você já conseguiu, pode passar ao próximo conjunto de questões, que não estão relacionadas a "como podemos melhorar essa bugiganga", mas sim a "como podemos aumentar a conveniência para nosso cliente, ajudando-o a economizar tempo e dinheiro?".

 

Os consumidores estão ávidos por esse tipo de diferenciação e, mesmo assim, as empresas gastam menos tempo nisso do que em variações de produtos já existentes. É hora de realocar os recursos.

 

Quais são seus exemplos favoritos de inovação de demanda?

É uma parada difícil entre a Johnson Controls, no setor automobilístico, e a Air Liquide (AL), no setor de gás para indústrias. Eu fico dividido entre as duas, mas acho que escolheria a AL, pois essa empresa atua no pior cenário possível para a inovação de demanda.

 

Como fornecedora de gás para indústrias, a AL tem bem poucas possibilidades de inovar em produtos, ainda que ela possua enorme expertise técnico. Há dez anos, depois de uma pesquisa com os clientes, a AL descobriu duas coisas: que esses clientes não sabiam de todo seu conhecimento em pesquisa e desenvolvimento e que não faziam a mínima idéia de como isso poderia beneficiá-los.

 

Diante disso, a empresa teve de mudar seu modo de pensar. Ela começou a abandonar seu ponto de vista tradicional de fornecedora de gás e passou a se perguntar: "Como podemos ajudar nossos clientes a administrar melhor seu negócio?". A partir daí a AL passou a tirar das mãos de seus clientes muitos dos processos de gestão de gás, por meio da terceirização. Permitiu que esses clientes se concentrassem em sua atividade principal e, assim, administrassem melhor seu processo de produção. A AL também ajudou clientes de alguns setores de atividade a se transformar em co-geradores de energia.

 

Ao modificar sua forma de pensar, a Air Liquide aumentou a parcela de seu faturamento proveniente de serviços: de 9% em 1993 para 23% hoje. Dessa forma, em um mercado bastante maduro, a empresa tem alcançado um crescimento de dois dígitos, tanto em faturamento como em lucro. Isso vendendo uma commodity para clientes grandes, com os quais às vezes é difícil lidar; como Basf, Texas Instruments e Unilever.

 

Esse exemplo ilustra ainda um ponto fundamental: a inovação de demanda não significa esquecer a capacidade técnica. Sua capacidade técnica e de pesquisa e o desenvolvimento de produto são extremamente importantes.

 

Trata-se, na verdade, de criar "novos músculos", que poderíamos chamar de "expertise da economia do cliente". Isso requer profissionais que sejam tão sofisticados no entendimento das características do cliente quanto em ciência e

tecnologia.

 

Por favor, explique o que o sr. quer dizer com "incluir o produto em um sistema de oferta"...

 

A Johnson ControIs fez isso de forma brilhante. Eles começaram fornecendo peças para assentos de automóveis, evoluíram para a fabricação do conjunto desses componentes e acabaram oferecendo todo o assento. Por conta dessa integração, foi possível reduzir o custo de um assento de cerca de US$ 450 para US$ 350.

 

E a Johnson Controls fez a mesma coisa em relação às portas e ao painel dos automóveis. Assim, em vez de dizer ao cliente: "Eu posso lhe vender seis ou sete peças separadas", hoje eles falam: "Eu posso lhe vender a porta toda". Isso torna tudo mais fácil e eficiente do ponto de vista dos custos para a montadora, que passa a se concentrar em aspectos da produção que pesam mais para seu consumidor final, como o design do carro.

 

O que significa "quebrar a média e re-segmentar a base de clientes de uma empresa"?

 

A verdade é que nem todos os clientes estão prontos para uma nova proposta de valor. No mundo real, talvez 25% ou 30% estejam dispostos a conversar sobre adquirir sistemas em vez de peças ou trabalhar em conjunto com seus fornecedores para melhorar sua economia. Alguns clientes continuam apenas interessados na melhor qualidade, partindo do pressuposto de que o preço é razoável; outros querem somente o menor preço possível.

 

Quebrar a média e re-segmentar sua base de clientes garante que você tenha ofertas para cada grupo. Para aqueles interessados apenas em preço, você assegura que seu modelo de negócios seja de baixo custo o suficiente para se mostrar atraente. Na outra ponta do espectro estão os clientes que trabalharão com você para desenvolver um sistema melhor para o negócio deles.

 

Tipos diferentes de profissionais são necessários para lidar com esses dois grupos de clientes. Um vendedor tradicional não atuará na inovação de demanda, mas, para trabalhar com os clientes preocupados com preço, essa é a pessoa de que você precisa.

 

A boa notícia é que ao longo do tempo aumenta a proporção de clientes interessados em adquirir ofertas mais sofisticadas, como os fornecedores de autopeças já comprovaram.

 

Como a China e outros mercados emergentes se encaixam na equação da inovação de demanda?

 

Há três maneiras de responder a essa pergunta.

 

Primeira, muitos inovadores de demanda estão percebendo que podem agregar valor a uma de duas pontas: na conexão do cliente na cadeia de valor ou na área de pesquisa e desenvolvimento. Portanto, eles estão trabalhando duro para transferir a maior parte possível de seu processo de fabricação para a China, e a maioria de seu processo administrativo para a Índia, de maneira a economizar recursos para investir no cliente e em P&D.

 

Uma segunda abordagem é simplesmente se mudar para a China. Se os clientes estão localizados nesse país, muitos bons inovadores de demanda estão levando suas operações para lá, porque uma fábrica em Guangdong não é o mesmo que uma fábrica em Detroit ou Munique.

 

A terceira abordagem é um pouco mais prospectiva. Hoje as pessoas compram produtos chineses por causa do baixo custo com qualidade. Mas, daqui a alguns anos, acho que veremos empresas chinesas competindo não apenas

nesses campos, mas também no da alta tecnologia.

 

Basta lembrar a evolução da Toyota e da Honda, que eram fabricantes baratos e se tornaram competidores na linha de frente da tecnologia, produzindo carros híbridos antes do restante do mercado. Acredito que em alguns anos veremos empresas líderes chinesas se saindo bem no jogo da inovação de demanda.

 

Quais são as capacidades-chave para ter sucesso na inovação de demanda?

 

Já falamos de algumas delas: ser capaz de ver seu cliente não apenas como um comprador para quem você vende, mas como um negócio específico -ou, no mundo do consumo, como uma família específica- e perguntar: "Quais são suas economias? Quais são os passos que eles precisam dar para comprar e utilizar nosso produto ou serviço? O que está errado nesse quadro? Como podemos melhorá-Io?"

 

Ser capaz de olhar o cliente de um ponto de vista sistêmico, compreendendo seus custos, seus processos e suas economias, é o segredo.

 

Há também uma habilidade política envolvida nisso, porque em muitos casos não estamos falando apenas de um comprador único, mas de um sistema complexo, no qual uma pessoa compra, outra influencia e uma terceira pode vetar a negociação. Então, ter a capacidade de gerir todo o processo torna-se muito importante para criar esse tipo de crescimento.

 

Em sua opinião, quais setores mostram maior potencial para o crescimento sustentável?

 

Oportunidades de inovação de demanda aparecem em muitos setores de atividade. As únicas áreas em que eu seria mais cauteloso são aquelas que já apresentam rápido crescimento devido à expansão natural do mercado -como os setores farmacêutico e de tecnologia.

 

Muito freqüentemente as pessoas ficam tão animadas com o crescimento que não dedicam tempo suficiente para pensar no que farão "quando a música parar", ou seja, quando o crescimento cair de 15% para cerca de 2%, por exemplo.

 

Setores com alto crescimento natural enfrentam sérios desafios para gerar aumento de valor, a menos que eles façam o tipo de transição de que falamos.

 

Ao mesmo tempo, tenho visto empresas atuar em mercados de 2% de crescimento -como o automobilístico-, praticar a inovação de demanda e gerar crescimento lucrativo da ordem de 14% ou 15%.

 

Portanto, no geral, sou otimista, Acredito que a pressão criada pela globalização levará boas empresas a abraçar a inovação de demanda até mais cedo do que fariam se não fosse por esse fator.

 

A entrevista é de Raren Christensen, colaboradora da Rotman Magazine.


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