Por Que Odiamos o RH

HSM Management 55 março-abril 2006

 

Na economia do conhecimento, parecem vencer as empresas com os melhores talentos. Encontrar, estimular e desenvolver esses profissionais deveria ser uma das mais importantes tarefas de uma empresa. Então, por que a área de RH não consegue fazê-Ia direito? Reportagem da Fast Company tenta responder a esta pergunta oferecendo quatro soluções

 

Estou em Las Vegas para acompanhar uma reunião de várias centenas de executivos médios da área de recursos humanos (RH). Eles ficarão aqui por dois dias no Caesars Palace, para uma conferência sobre liderança estratégica de RH, conceito que soa, aos ouvidos leigos, assustador e contraditório ao mesmo tempo.

 

Depois de quase 20 anos de retórica esperançosa sobre sentar-se à mesa de quem realmente manda na empresa, a maioria dos profissionais de recursos humanos não chegou nem perto de estar lá. A verdade nua e crua é que os profissionais de RH, em geral, não são nem líderes nem parceiros estratégicos em suas empresas.

 

Não me importo com Las Vegas. E, caso ainda não esteja claro, também não gosto do RH. É por isso que estou aqui. A atividade de RH já mostrou ser, na melhor das hipóteses, um mal necessário -e, na pior, uma força burocrática obscura que faz valer regras sem sentido, resiste à criatividade e impede a mudança construtiva.

 

Ao mesmo tempo, a área de RH tem grande potencial como propulsora do desempenho do negócio e, paradoxalmente, é a função cujo resultado é consistentemente inferior ao esperado. E é também por isso que estou aqui, para desvendar esse paradoxo.

 

Por que se gasta tanto tempo com as avaliações de desempenho anuais e por que são sempre tão inúteis? Por que muitas vezes o RH acaba sendo o lacaio do diretor financeiro em busca de formas engenhosas de cortar benefícios e dilacerar a folha de pagamento? Por que a comunicação de RH -quando se consegue entendê-Ia- zomba da realidade? Por que a maioria dos processos que lidam com pessoas tende à duplicação e ao desperdício, criando uma floresta        de papelada

para cada pequena transação? E por que o RH insiste em achar que uniformidade é o mesmo que igualdade?

 

Esse, meus amigos, é o problema do RH. Na economia do conhecimento, vencem as empresas que retêm os melhores talentos. Isso todos sabem. Os executivos de RH deveriam estar aproveitando ao máximo os recursos humanos -encontrando as melhores pessoas para contratar, estimulando as estrelas, promovendo um ambiente de trabalho produtivo- da mesma forma que o departamento de tecnologia da informação cuida dos computadores; e o financeiro, do capital. O RH deveria estar muito mais próximo e conectado à estratégia empresarial.

Em vez disso, os departamentos de RH, em geral, se isolaram em guetos e chegam a beirar a obsolescência, mostrando-se competentes nas trivialidades administrativas relativas a remuneração, benefícios e aposentadoria. Contudo, as empresas estão, cada vez mais, terceirizando essas funções a prestadores de serviços capazes de lidar com esse tipo de tarefa rotineira a custos inferiores.

 

O que resta é o papel estratégico e mais importante de elevar o capital intelectual da organização. No entanto, o RH revela-se singularmente inapto para essa função. Vejamos quê.

 

1. As pessoas de RH não são exatamente as mais afiadas.

 

Sejamos claros: se você for um jovem ambicioso, recém-formado em uma boa faculdade de administração de empresas, de olho em uma bela carreira, seu primeiro instinto não o levará a entrar na dança do RH. Na Ross School of Business, da University of Michigan, que se orgulha de ter o melhor corpo docente no campo de questões organizacionais, somente 1,2% dos formandos de 2004 foi para a área de RH.

 

Quem vai, então? Pessoas inteligentes, às vezes, mas não da área de negócios. "O RH não tende a contratar muitos pensadores independentes", diz Garold L. Markle, ex-executivo de recursos humanos da Exxon e da Shell Offshore e atualmente à frente de sua própria empresa de consultoria.

 

Alguns são exilados da elite corporativa: apresentaram desempenho aquém do esperado em papéis mais significativos, mas não mal o suficiente para serem demitidos. Para eles, e para seus empregadores, o RH representa uma vaga de estacionamento de risco relativamente baixo.

 

Outros ingressam nessa área por opção própria e com as melhores intenções, mas pelos motivos errados: gostam de trabalhar com gente e querem ajudar. "Quando alguém chega para mim e diz 'Quero trabalhar com gente', respondo 'Ótimo, seja assistente social"', diz Arnold Kanarick, que foi líder de recursos humanos da Bear Stearns até recentemente. "O RH não é para quem quer ser bonzinho e ajudar as pessoas. É para quem é capaz de captar os melhores e mais brilhantes profissionais no intuito de aumentar o valor da empresa", explica.

 

A novidade mais assustadora, entretanto, está no fato de que o fosso entre as qualificações e os requisitos necessários para esse trabalho parece estar aumentando. Embora haja uma intensificação das exigências legais e empresariais sobre a função, as qualificações educacionais dos profissionais de contratação de funcionários não acompanharam o mesmo ritmo.

 

Na verdade, a maior parte dos gerentes de recursos humanos não tem interesse nem preparo para o mundo dos negócios, e, numa empresa, isso se torna um problema. Na qualidade de guardiões do talento da organização, a área de RH precisa entender como as pessoas servem aos objetivos corporativos. No entanto, "tino para os negócios é o principal fator ausente nos profissionais de RH norte-americanos atualmente", diz Anthony J. Rucci, vice-presidente executivo da Cardinal Health, grande distribuidora de suprimentos médicos.

 

Rucci é mencionado por acadêmicos, consultores e outros líderes de RH como executivo que realmente conhece o setor. Na Baxter International, ele cuidava tanto de RH como de estratégia corporativa. Antes disso, na Sears, liderou um estudo em 800 lojas durante um período de cinco anos para avaliar a conexão entre comprometimento de funcionários, fidelidade dos clientes e lucratividade.

 

Segundo ele, há três perguntas que um profissional de RH, em qualquer lugar do mundo, deve ser capaz de responder. Primeiro, quem é o tipo de cliente central da empresa? Segundo, quem são os concorrentes? E, acima de tudo, quem somos nós?

 

2. O RH busca eficiência em vez de valor.

 

Por quê? Porque é mais fácil-e mais fácil de mensurar.

 

Dave Ulrich, professor da University of Michigan, tornou-se, ao longo dos últimos 20 anos, um dos mais respeitados especialistas de RH e defensor do movimento para que os profissionais da área assumam papéis mais estratégicos dentro das empresas.

 

No entanto, ele reconhece que, em geral, os gerentes de RH sabotam esse esforço ao investir mais em atividades que em resultados. "Só podemos ser eficazes se agregarmos valor", diz Ulrich. "Isso significa que não somos avaliados pelo que fazemos, e sim pelo resultado que oferecemos", acrescenta. Ele se refere não apenas ao valor proporcionado aos funcionários e aos gerentes de linha, mas também aos benefícios gerados para acionistas e clientes.

 

Vejamos então uma história real: uma jovem e talentosa executiva de marketing aceita uma oferta de trabalho da Time Warner assim que se forma. Faz entrevistas para vagas em vários departamentos. Ao final, o RH a informa de que somente um departamento se interessou por ela. Na verdade, ela descobre, mais tarde, que todos os departamentos a queriam. Ela havia sido empurrada para o cargo sob a supervisão de um gerente amplamente odiado, pois mais ninguém dentro da empresa queria aceitá-lo. Será que o RH fez bem seu trabalho?

 

Provavelmente, a Time Warner não tem como medir o custo real do procedimento de seu departamento de RH. Os profissionais da área conseguem fornecer rapidamente o número de pessoas contratadas, a porcentagem de avaliações de desempenho realizadas e o nível de satisfação dos funcionários com seus benefícios. Entretanto, é raro que liguem qualquer uma dessas métricas ao desempenho empresarial.

 

John W. Boudreau, professor do centro para organizações eficazes da University of Southern California compara essa falha com a inépcia dos departamentos financeiros antes de 1912, quando a DuPont descobriu como calcular o retorno sobre os investimentos. No RH, diz ele, "não temos nada que chegue perto desse tipo de sofisticação lógica do ponto de vista das pessoas ou dos talentos.

 

Portanto, as decisões tomadas quanto a esse recurso são muito menos sofisticadas, confiáveis e consistentes”.

 

Rucci, da Cardinal Health, está tentando resolver isso. A Cardinal apresenta regularmente 12 questões a seus funcionários para medir seu grau de engajamento, entre elas: entendem a estratégia corporativa? Percebem a conexão entre a estratégia e seu trabalho? Têm orgulho de contar às pessoas em que empresa trabalham? Rucci correlaciona as respostas a essas perguntas a uma pesquisa com 2 mil clientes, bem como aos resultados mensais de vendas e indicadores de conhecimento de marca.

 

"Logo, não tenho certeza se nossos processos de RH estão tendo algum impacto por si", diz ele. "Mas sei que as pontuações de engajamento de funcionários têm impacto sobre nossos negócios e respondem por 1 % a 10% de nossa receita, dependendo da área de negócios e do cargo do funcionário."

 

3. O RH não está trabalhando para você.

 

Quer saber, de verdade, por que você é obrigado a passar por aquela avaliação de desempenho todo ano? Markle, que admite ter aplicado incontáveis avaliações ao longo dos anos, felicita-se por poder confirmar suas suspeitas. "As empresas fazem avaliações para se proteger contra os próprios funcionários. Diante de uma possível situação de conflito, elas podem consultar o arquivo e dizer: 'Temos aqui esse problema documentado.” , explica.

 

Há um bom motivo para esse posicionamento defensivo, é claro. Nas últimas duas gerações, o governo criou imensa quantidade de regulamentações trabalhistas. "É fácil ser absorvido por isso tudo", diz Mark Royal, consultor sênior da Hay Group.

 

"Existe uma tensão criada pelo papel de RH como protetor de ativos empresariais -garantir que não sejam transgredidas as regras. Isso faz com que os profissionais da área digam 'não' com alta freqüência, colocando-os na posição de 'mocinhos-bandidos'. É preciso dar um passo para fora desse círculo vicioso, para ver as possibilidades mais amplas e assumir uma abordagem mais aberta. Deve-se entender em que pontos podem ser feitas exceções às políticas que englobam tudo da mesma forma."

 

Tipicamente, os profissionais de RH não são capazes ou não estão dispostos a tanto. Em vez disso, buscam padronizar e uniformizar uma força de trabalho que é, por natureza, heterogênea e complexa. Um gerente de uma grande empresa de leasing de capital se queixa de que o departamento de RH está tentando eliminar a maioria dos cargos de vice-presidente na organização, embora exista grande oferta de vice-presidentes no setor financeiro. Por quê? Porque na área comercial da empresa vice-presidente é um cargo reservado aos altos gerentes. Em sua busca por “justiça/ equanimidade" burocrática, o RH está efetivamente ameaçando a eficácia dos profissionais da área financeira da companhia.

 

A sede por um "tamanho único", diz um professor estudioso do tema, "está relacionada, em parte, à conformidade, mas acima de tudo é mais fácil".

 

Burocratas no mundo todo odeiam as exceções, não apenas porque trazem a possibilidade de ações contra a empresa baseadas na discriminação, mas porque exigem mais que simples soluções corriqueiras. Consomem tempo e sua administração é cara. O RH teme fazer uma exceção e assim abrir todas as comportas.

 

Isso revela uma contradição: fazer exceções deveria ser exatamente o que o RH faz o tempo todo, não porque isso é bom para os funcionários, mas porque constitui um propulsor para os negócios. Os empregadores conseguem manter os melhores profissionais ao reconhecer seu desempenho especial, não ao tratá-los de forma igual a todos os outros.

 

Em vez disso, os departamentos de RH fazem benchmarking, ou comparação, de salários, função por função e cargo por cargo, segundo os padrões do setor de atividade, mantendo, assim, a remuneração -mesmo das estrelas- dentro de uma estreita faixa determinada pela concorrência. Devolvem avaliações de desempenho a gerentes que deram pontuações muito elevadas a seus subordinados, por não estarem dispostos a reconhecer realizações que mereceriam muito mais que o aumento geral de 4% dado a todos.

 

Em outras palavras, o RH abre mão do valor de longo prazo em favor da eficácia de custos de curto prazo. Um teste simples: a quem se reporta o vice-presidente de recursos humanos de sua empresa? Se for ao diretor financeiro -o que é provável-, então o RH está na direção errada. "Esse é um modelo que não pode funcionar", diz um alto executivo de RH que já viveu esse problema. "Uma pessoa da área financeira se preocupa em tirar dinheiro da empresa. RH deveria preocupar-se em agregar investimentos”.

 

4. A pessoa que tem o escritório com a vista mais bonita não entende o RH (e vice-versa)

 

Agora estou com algumas dúzias de gerentes médios de RH em um restaurante de hotel em Mahwah, Nova Jersey. A Hunter Douglas, fabricante de coberturas para janelas com receita anual de US$ 2,1 bilhões, trouxe seu departamento de RH até aqui para celebrar suas realizações.

 

Os mais altos executivos da empresa estão presentes. Marvin B. Hopkins, presidente e diretor de operações norte-americanas, faz elogios. "Acho fantásticas as realizações do RH", diz ele. "Nosso negócio lida com pessoas. Contratar, treinar e criar empatia com os funcionários é extremamente importante. Quando alguém é demitido ou se desliga, falhamos de alguma forma. As pessoas precisam sentir que têm seu lugar na empresa, um sentido de propriedade", acrescenta.

 

Sim, claro, é a típica comunicação empresarial em um hotel não-central. Mas seu departamento de RH pode dizer que é realmente ouvido pela alta gerência?

 

Provavelmente não. "Às vezes", diz Ulrich, "os gerentes médios de RH têm esse legado na mente e não conseguem livrar-se dele. Senti pena de um cara de RH. O presidente queria alguém para planejar piqueniques da empresa e administrar os sindicatos, e, toda vez que esse fulano tentava ser estratégico, era massacrado."Como assim? Os executivos não acham que RH tem muita importância? E quanto a toda aquela conversa sobre os funcionários serem seu ativo mais importante?

 

Na década de 1990, um grupo de acadêmicos britânicos examinou a relação entre o que as empresas falavam sobre seus ativos humanos e como, efetivamente, se comportavam.

 

Em sua retórica, os departamentos de RH tinham uma abordagem soft, falavam de treinamento, desenvolvimento e comprometimento. Mas "o princípio subjacente era invariavelmente limitado às melhorias de desempenho quanto aos resultados financeiros", escreveram Mary Anne Devanna, Noel Tichy e Charles Fombrun no livro Strategic Human Resource Management (ed. Oxford University Press).

 

"Mesmo se a retórica de gestão de recursos humanos for soft, a realidade quase sempre é hard (dura), e os interesses da organização prevalecem sobre os interesses individuais”.

No mundo ideal, diz Lynda Gratton, professora da London Business School, colaboradora do estudo que deu origem ao livro, "a realidade deveria ser algum tipo de combinação de hard e soft”.

 

Isso é o que acontece na Hunter Douglas. A área de recursos humanos pode atender às necessidades de funcionários, pois já comprovou seu valor profissional -e vice-versa.

 

Betty Lou Smith, vice-presidente corporativa de RH da Hunter Douglas, começou a investigar a ligação entre a rotatividade de funcionários e a qualidade de produtos.

 

Divisões com elevada rotatividade também eram as que tinham os mais altos níveis de produtos danificados -5% ou mais. E, extraordinariamente, 70% dos funcionários deixavam a empresa menos de seis meses depois de contratados.

 

O pessoal de contratação liderado por Smith descobriu que os novos funcionários estavam indo embora por uma série de motivos: não se sentiam respeitados, não tinham voz ativa na tomada de decisões, mas, acima de tudo, sentiam uma falta de conexão logo que eram contratados. "Recebiam uma orientação de 10 minutos e depois disso iam para o chão de fábrica", diz Smith.

 

Ela atacou esse problema com a criação de um programa de mentoria que juntava cada funcionário novo com outro mais experiente. Os mais experientes ficaram desconfiados no início, porém, aos poucos, a qualidade de mentor (com camisa e boné especiais) os fez começar a ganhar prestígio. O índice de rotatividade de 70%, em seis meses, caiu drasticamente, para 16%. A presença e a produtividade -e a taxa de produtos danificados- melhoraram.

 

"Não esperamos a alta gerência se manifestar", diz Smith. "Não é possível ficar sentado num canto e só olhar para os benefícios. Nós, de RH, precisamos saber quais são as questões importantes em nossa empresa. Temos de assumir a responsabilidade, sem esperar que a gerência venha bater a nossa porta”.

 

A reportagem é de Keith Hammonds, repórter da revista Fast Company. 
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